Tu és Pedro, e eu te darei as chaves do Reino dos céus.
Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo Mateus 16,13-20
É chegado o tempo da Páscoa. O mar é atravessado, a escravidão fica para traz, o cordeiro é imolado, o povo caminha na liberdade, o Crucificado está vivo e um sentimento de paz e alegria envolve a todas as pessoas dando forças para celebrar uma grande renovação.
Páscoa é tempo de renovar. Os sentimentos que tornavam pesados os corações dos discípulos habitados pela certeza da morte de Jesus, foram dissipados com a luz da ressurreição que foi se difundindo e fazendo corações arderem de alegria, amor e esperança. Eles foram renovados e se tornaram portadores da renovação para o mundo.
Chegou o tempo de renovar. Renovar o quê? Tudo pode ser renovado. “Eis que faço novas todas as coisas” (Ap 21,5). A vida humana será diferente quando acolher a presença do Ressuscitado. Ele faz as mortes desaparecerem da vida. O meu pai dizia um pensamento que sempre gosto de repetir. “Nascemos no caminho da ressurreição”. Por mais que estejamos mortos dentro do mundo, nos relacionamentos, no entusiasmo, na fé, no pecado, na esperança, é preciso prosseguir no caminho, pois nele encontraremos ressurreição.
A Páscoa acontece dentro do Ano Santo da Misericórdia. Ela renova o mundo. Precisamos contemplar o mistério da misericórdia. Ela é fonte de alegria, serenidade e paz. “É condição de nossa salvação” (MV 2). Como é importante nos tornarmos agentes da misericórdia socorrendo os que passam fome, sede, vestindo os nus, acolhendo os peregrinos, visitando os enfermos, os presos e sepultando os mortos. O agir misericordioso nos provoca a ensinar os que não sabem, dar conselho a quem necessita, corrigir as injúrias e perdoá-las, consolar os tristes, sofrer com paciência os defeitos dos outros e rezar pelos vivos e pelos mortos. (Obras de Misericórdia). A Páscoa celebrada nesta perspectiva de misericórdia ajuda na renovação da vida.
A Paixão, morte e ressurreição de Jesus foi um grande ato de misericórdia que trouxe grandes benefícios para a humanidade.
A Campanha da Fraternidade nos despertou para ajudar a natureza a ressuscitar. A casa comum não pode ficar com cheiro de morte. É preciso vir para fora. Deixar os rios correrem, o verde ressurgir, cuidar do saneamento básico, zelar pela saúde para que todos tenham vida.
O Brasil está vivendo uma situação muito confusa. Nosso país está precisando de ressurreição. Ressuscitar significa transformar todas as situações de morte em vida. Há muita coisa boa e bonita precisando ressuscitar nesta Terra de Santa Cruz.
Permitamos que o Ressuscitado venha nos visitar, passe no nosso meio e nos ajude a encontrar o sentido da vida.
Dom Messias dos Reis Silveira
Bispo de Uruaçu e Presidente do Regional Centro-Oeste da CNBB
Em um primeiro momento pode-se pensar que estes dois conceitos justiça e misericórdia são contrários e incompatíveis. Mas não é assim, se os consideramos e os valorizamos desde a revelação bíblica e dentro do marco da fé cristã. Certamente a justiça é entendida também em muitos textos bíblicos como o fiel cumprimento da lei e como exigência de um comportamento humano em conformidade com os mandamentos dados por Deus (Sl 119,1-8). Porém diz o Papa que essa perspectiva, unilateralmente contemplada, teve e tem em todas as culturas o perigo de cair em um legalismo superficial, esquecendo ou relegando o sentido mais valioso e positivo da verdadeira justiça.
Com o fim de superar esse perigo legalista é preciso recordar que a aceitação primordial e mais original da justiça na Sagrada Escritura é a de ser um dom gratuito e um projeto salvífico de Deus em favor do homem. A justiça, com efeito, tem como objetivo principal a salvação e a felicidade humana, já que sua base e suporte fundamental é a aliança bíblica, através da qual se estabelece e sela uma relação e comunhão de misericórdia e de amor e o ser humano.
Neste contexto temos de situar aquela severa crítica de Jesus aos fariseus e mestres da lei: “Ai de vós que pagais o dízimo da hortelã, do endro e do cominho, mas omitis as coisas mais importantes da lei: a justiça, a misericórdia e a fidelidade. Importava praticar essas coisas, mas sem omitir aquelas. Condutores cegos, que coais o mosquito e tragais o camelo!” (Mt 23, 23-24). “Não é estranho, diz o Papa Francisco, que Jesus tivesse sido rejeitado pelos fariseus e doutores defensores da lei pela lei já que eles punham só cargas sobre os ombros das pessoas, frustrando assim a misericórdia de Deus Pai”.
Diante de qualquer forma de legalismo, Jesus fez suas aquela palavras do profeta Oséias: “Eu quero misericórdia, não sacrifícios, conhecimento de Deus, mais do que holocaustos (Mt 9,13). A misericórdia foi, sem dúvida, a dimensão básica da atitude pessoal de Jesus e o princípio fundamental de sua missão. Desde uma visão autenticamente cristã a justiça e a misericórdia não são incompatíveis, mas se exigem e complementam mutuamente. Mostrar misericórdia não significa menosprezar a justiça, “Mas englobá-la e superá-la num evento superior”. A misericórdia e a justiça, estreitamente relacionadas e implicada entre si, tiveram sua plena e definitiva expressão e cumprimento na vida, morte e ressurreição de Jesus.
Insistindo na relação entre a misericórdia, a justiça e o perdão, quero concentrar-me nos números 20 e 21 da Bula “Misericordiae vultus”, apresentando algumas das reflexões contidas nelas. “A justiça é um conceito fundamental na sociedade civil quando, normalmente, se faz referência a uma ordem jurídica através da qual se aplica a lei”.
A lei e sua aplicação em justiça são fundamentais para o reto funcionamento da vida social, sempre que se trate de uma lei “justa”, de acordo com a dignidade das pessoas e seus direitos fundamentais. Neste sentido, administrar a justiça é aplicar corretamente a lei. A justiça humana se atém à lei. Mas as relações humanas são mais do que a lei, e o amor e a misericórdia a superam, não a anulando, mas indo “mais além”, o que o Papa Chama “ a superação da justiça em direção à misericórdia.
Nesse sentido, o Papa se fixa na reflexão que faz o livro do profeta Oseias: mesmo sendo “justo” que Deus castigue seu povo infiel, que lhe voltou as costas uma e outra vez, o mesmo Deus apela à sua misericórdia. Porque, afirma o Papa: “Se Deus Se detivesse na justiça, deixaria de ser Deus; seria como todos os homens que clamam pelo respeito da lei. A justiça por si só não é suficiente, e a experiência mostra que, limitando-se a apelar para ela, corre-se o risco de destruí-la. Por isso, Deus, com a misericórdia e o perdão, passa além da justiça. Isto não significa desvalorizar a justiça ou torná-la supérflua. Antes pelo contrário! Quem erra, deve descontar a pena; só que isto não é o fim, mas o início da conversão, porque se experimenta a ternura do perdão. Deus não rejeita a justiça. Ele a engloba e a supera num evento superior onde se experimenta o amor, que está na base de uma verdadeira justiça”.
É verdade que na Bíblia se fala, também, de “castigo” de Deus, porém se trata de um castigo sempre medicinal. O castigo não é a última palavra em Deus. Se nos afastarmos dele será por nossa obstinação, porque nos obstinamos em permanecer no mal. Porque o mal é real e é possível obstinar-se nele. De qualquer maneira, estamos aqui diante do mistério de Deus, que nunca podemos decifrar completamente com nossos esquemas humanos. Permanece a grande afirmação da carta de São João: “Deus é amor” (1Jo 4,8), e o convite de Jesus: “Sede misericordiosos como vosso Pai é misericordioso (Lc 6,36), que, se colocamos junto ao que encontramos em Mateus, “Sede perfeitos como vosso Pai celestial é perfeito” (Mt 5,48) nos sugerem que a perfeição de Deus é sua misericórdia e a ela Ele nos convida imitar. Essa mensagem do amor misericordioso de Deus não nos deve levar a tomar nossa relação com Ele de forma leviana (se é bom e perdoa, para que esforçar-se tanto?), mas, ao contrário, a responder com uma vida de amor ao amor de Deus, ao Amor que é Deus. O temor pelo castigo é um estádio imperfeito (às vezes, quiçá, pedagogicamente necessário, porque os humanos somos assim). Entretanto a perfeição está no amor. “No amor não há temor; antes, o perfeito amor lança fora o temor, porque o temor tem consigo a pena, e o que teme não é perfeito em amor” (1Jo 4,18).
Dom Washington Cruz, CP
Arcebispo de Goiânia
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