A articuladora de Direitos da Pastoral da Criança Nacional, Maristela Cizeski, e a coordenara da pastoral no estado de Goiás, irmã Ana Soares, escreveram artigo no qual defendem o direito de toda criança à cidadania, conforme está previsto na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Organização Internacional do Trabalho.
No texto, elas mostram como o trabalho infantil pode ser uma opção negativa para as crianças. Em contrapartida, são positivos para a criança a liberdade, a saúde, a assistência social, a educação e a proteção. Elas enfatizam ainda que há tarefas que são positivas para a educação das crianças. “Educar positivamente é trazer a criança e o adolescente a participar das atividades junto com a família de forma prazerosa, porém sem riscos”.
Leia abaixo o artigo na íntegra.
Trabalho infantil: Toda criança tem direito a “vida e a tenham em abundância” Jo,10-10
No Brasil, a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a OIT (Organização Internacional do Trabalho) proíbem qualquer tipo de trabalho infantil. Toda criança tem direito à vida, liberdade, saúde, assistência social, educação e proteção.
Pesquisas mostram que o trabalho infantil ainda é uma grande sequela na sociedade, já que não promove o desenvolvimento social da criança e do adolescente e acaba por transformá-los em um problema social.
O discurso é sempre o mesmo. “É melhor trabalhar do que roubar, eu trabalhei e não morri”. Este é um discurso vazio, e sabemos as consequências negativas que acarreta.
No Brasil temos leis que garantem o direito da criança a estudar, brincar, dentre outros direitos. A Constituição e as leis correlatas são explícitas: menores de 14 anos são proibidos de trabalhar, exceto na qualidade de aprendizes. Infelizmente não é o que temos na atualidade.
Achamos um absurdo a exploração de crianças e adolescentes trabalhando em lavouras de cana, carvoeiros, quebrando pedras, em sinaleiros dentre outros espaços, tais como o trabalho doméstico; toda essa exploração deixa sequelas que vão desde a infância até a vida adulta.
No cotidiano costumamos aplaudir as crianças e adolescentes que trabalham no meio artístico, nas apresentações culturais ou comerciais. A lei diz uma coisa e, às vezes, se faz o inverso. O Estatuto da Criança e do Adolescente é rico em exemplos de como se deve proteger legalmente as crianças e adolescentes, oferecendo-lhes espaços culturais de lazer e de educação comunitários de integração dentre outros.
Porém, em todo o mundo nós temos crianças e adolescentes que estão envolvidos com o trabalho infantil doméstico, remunerados ou não. É muito comum ver crianças e adolescentes expostos ao trabalho infantil doméstico, fazendo atividades como lavar, passar, cozinhar e outras coisas. As crianças e adolescentes estão sujeitos a uma série de vulnerabilidades. Não é uma educação positiva, mas sim uma educação impositiva que traz para essas crianças muitas sequelas. A criança e o adolescente podem participar das atividades como convivência familiar ou uma situação de brincar e estar com a família.
Crianças e adolescentes estão vulneráveis a se machucar, se cortar, se queimar e, muitas vezes, o trabalho infantil doméstico ocorre de maneira muito invisível aos olhos do público. Nós sabemos que os casos de maus tratos e abuso de crianças no trabalho doméstico são comuns. Ademais, além dos acidentes, nós temos também a exploração sexual.
Há uma grande diferença. Trabalho infantil doméstico deixa marcas negativas, enquanto as tarefas educativas promovem o fortalecimento de vínculos familiares e comunitárias, bem como a formação das responsabilidades, no seu tempo e idade.
Neste sentido, “me ajude a secar a louça”, “me ajude a limpar aqui”, desde que não tenha nenhum risco eminente, se torna uma educação positiva, que fortalece vínculos familiares, diferente da exploração do trabalho.
Educar positivamente é trazer a criança e o adolescente a participar das atividades junto com a família de forma prazerosa, porém sem riscos.
Se está lavando louça e tem panelas acima do peso da criança, que ela não pode aguentar, é fundamental a orientação dos pais ou da família. Ela deve manusear aquilo que está de acordo com a sua idade e peso. Outro exemplo: se a família está fazendo alguma tarefa no fogo, no fogão ou no forno, a criança ou o adolescente, não tem noção de que esta estrutura está muito quente e que pode queimar. Então, a criança ou o adolescente pode vir a sofrer consequências gravíssimas, como queimaduras com óleo ou cortes, executando uma labor que não seria uma tarefa dela e sim uma atividade que cabe exclusivamente aos seus provedores. A criança faria apenas ações de uma educação positiva.
É muito importante um olhar terno e fraterno para com todas as tarefas educativas. Não pode ser educativo, por exemplo, a criança em cima de uma cadeira junto ao fogão. É irresponsabilidade e uma violação de diretos. Nós não podemos violar direitos de crianças e adolescentes, deixando-os à mercê de um acidente doméstico.
Nós sabemos que o trabalho infantil existe. Portanto, é necessário que as pessoas e a comunidade estejam atentas e verifiquem quando o trabalho infantil se estabelece. Trabalho infantil não é uma tarefa educativa, pois não promove o fortalecimento de vínculos.
Fortalecer vínculos e garantir direitos não é doar dinheiro. Nós precisamos retirar a criança e o adolescente da mendicância, do trabalho infantil e da exploração sexual, garantindo que seus direitos estejam assegurados, através de Políticas Públicas de qualidade e que sua família acesse os serviços socioassistenciais. Na falta de Políticas Públicas, nós devemos participar dos Conselhos de Direitos Setoriais, garantido o Controle Social e a efetivação das Políticas Públicas.
A criança e o adolescente, segundo a Constituição Federal e o ECA, é o princípio da prioridade absoluta. Os Governantes fazem o seu juramento com base na Constituição Federal, e lá está o artigo 227: É dever do Estado, da sociedade e da comunidade garantir com absoluta prioridade o direito da criança, à vida, à saúde, à alimentação... Ou seja, alguns Governantes juram sobre esta Constituição, porém, se faz necessária a participação da comunidade e da sociedade no Controle Social, garantindo que os recursos sejam utilizados em Políticas Públicas conforme preconiza a Legislação.
Neste sentido, precisamos orientar as famílias e a comunidade que, caso necessário, devem denunciar essas violações de direitos aos conselhos tutelares ou no Disque 100.
Maristela Cizeski
Articuladora de Direitos da Pastoral da Criança Nacional
Ir. Ana Soares Pinto, MC
Coordenadora Estadual da Pastoral da Criança – Estado de Goiás
Foto: Valter Campanato/Agência Brasil