A Constituição Dogmática Lumen Gentium sobre a Igreja dedica seu capítulo II à Igreja como Povo de Deus. O Povo de Deus que deve estender-se a todo o mundo e, mantendo a sua unidade, permanece em comunhão pelo Espírito Santo. Pertencem ou estão ordenados à unidade do Povo de Deus, mesmo que de modo diverso, os fiéis católicos, todos os que creem em Cristo, enfim todos os homens chamados à salvação (LG 13).
Depois de ter aprofundado as imagens da Igreja propostas por este importante documento do Concílio Vaticano II, padre Gerson Schmidt* vem até o Pontificado de Francisco para nos falar hoje da Igreja como Povo de Deus na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium: “A Alegria do Evangelho enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus”:
Vimos nos aprofundamentos anteriores, diversas imagens e analogias utilizadas pela Lumen Gentium para comparar a Igreja, que brotam sobretudo da vida dos pastores e camponeses (LG, 6). A imagem da Igreja que o Papa Francisco emprega frequentemente na Evangelii Gaudium é a imagem do “povo de Deus”. Afirma assim o Papa: “A evangelização é dever da Igreja. Este sujeito da evangelização, porém, é mais do que uma instituição orgânica e hierárquica; é, antes de tudo, um povo que peregrina para Deus. Trata-se certamente de um mistério que mergulha as raízes na Trindade, mas tem a sua concretização histórica num povo peregrino e evangelizador, que sempre transcende toda a necessária expressão institucional” (EG, 111s). o Sumo Pontífice acentua essa imagem do Povo de Deus afirmando que Deus “escolheu convocá-los como povo, e não como seres isolados. Ninguém se salva sozinho, isto é, nem como indivíduo isolado, nem por suas próprias forças. Deus nos atrai, no respeito da complexa trama de relações interpessoais que a vida numa comunidade humana supõe. Este povo, que Deus escolheu para Si e convocou, é a Igreja. Jesus não diz aos Apóstolos para formarem um grupo exclusivo, um grupo de elite. Jesus diz: «Ide, pois, fazei discípulos de todos os povos» (Mt 28, 19). São Paulo afirma que no povo de Deus, na Igreja, «não há judeu nem grego (...), porque todos sois um só em Cristo Jesus» (Gal 3, 28). Eu gostaria de dizer – diz o Papa - àqueles que se sentem longe de Deus e da Igreja, aos que têm medo ou aos indiferentes: o Senhor também te chama para seres parte do seu povo, e fá-lo com grande respeito e amor!”(EG, 113).
O Concílio Vaticano II inverteu a pirâmide que colocava a hierarquia da Igreja no topo dela, definindo a Igreja como todo o Povo de Deus e não somente como sendo a hierarquia eclesiástica. A imagem da Igreja da Lumen Gentium é um Povo de Deus em busca da santidade. A imagem bíblica de Povo de Deus, preferida à imagem de Corpo de Cristo, destaca a dimensão histórica, enfatizando a caminhada do povo de Deus peregrino pelo deserto, tal qual o povo do AT. De fato, a historicidade da Igreja vem destacada por essa imagem e sua abertura para a história humana, pois a Igreja avança em direção à casa do Pai no mundo e não fora dele. Mas a Igreja é um Povo de Deus em busca da santidade. Santo, porque Deus torna a Igreja santa, mas, ao mesmo tempo, deve realizar em sua própria vida a santidade de Deus.
A Igreja é sobretudo povo de Deus, quer dizer, o povo que pertence a Deus – e somente o povo que tem esse nome e é digno de ser como tal. Não é qualquer povo que é de Deus e que é Igreja. Mas é um povo que tanto no seu ser e agir se identifica cada vez mais profundamente com Deus e honra seu nome e que se torna digno de ser chamado “Povo de Deus”[1]. É necessário que esse povo tenha o projeto de Deus Pai. É isso que, em outras palavras, o Papa Francisco, na Evangelii Gaudium expressa no número 114: “Ser Igreja significa ser povo de Deus, de acordo com o grande projeto de amor do Pai. Isto implica ser o fermento de Deus no meio da humanidade; quer dizer anunciar e levar a salvação de Deus a este nosso mundo, que muitas vezes se sente perdido, necessitado de ter respostas que encorajem, deem esperança e novo vigor para o caminho. A Igreja deve ser o lugar da misericórdia gratuita, onde todos possam sentir-se acolhidos, amados, perdoados e animados a viverem segundo a vida boa do Evangelho”. O projeto do Pai é que possamos levar a salvação e a misericórdia de Deus ao mundo. A vontade de Deus é que todos se salvem.
*Padre Gerson Schmidt foi ordenado em 2 de janeiro de 1993, em Estrela (RS). Além da Filosofia e Teologia, também é graduado em Jornalismo e é Mestre em Comunicação pela FAMECOS/PUCRS.
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[1] AUGUSTIN, George. Por uma Igreja “em saída”. Impulsos da Exortação Evangelii Gaudium, Vozes, 2018, p.77.
Fonte e Foto: Vatican Media