Tu és Pedro, e eu te darei as chaves do Reino dos céus.
Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo Mateus 16,13-20
Queridos irmãos e irmãs!
Prossigamos a reflexão sobre as obras de misericórdia corporais, que o Senhor Jesus nos confiou a fim de que a nossa fé se mantenha sempre viva e dinâmica. De fato, essas obras tornam evidente que os cristãos não estão cansados nem são preguiçosos na expectativa do encontro final com o Senhor, mas que todos os dias vão ter com Ele, reconhecendo o seu rosto naquele de tantas pessoas que pedem ajuda. Hoje meditemos sobre esta palavra de Jesus: “Era estrangeiro e acolhestes-me; estava nu e vestistes-me” (Mt 25,35-36). No nosso tempo, é atual, como nunca, a obra relativa aos estrangeiros. A crise econômica, os conflitos armados e as mudanças climáticas impelem muitas pessoas a emigrar. Contudo, as migrações não são um fenômeno novo, mas pertencem à história da humanidade. Consiste em falta de memória histórica pensar que elas sejam próprias apenas da nossa época.
A Bíblia oferece-nos muitos exemplos concretos de migração. É suficiente pensar em Abraão. A chamada de Deus impeliu-o a deixar o seu país e ir para outro: “Deixa a tua terra, a tua família e a casa de teu pai e vai para a terra que eu te mostrar” (Gn 12,1). E assim aconteceu também para o povo de Israel, que do Egito, onde era escravo, caminhou durante quarenta dias no deserto até alcançar a terra prometida por Deus. A própria Sagrada Família – Maria, José e o menino Jesus – foi obrigada a emigrar para fugir das ameaças de Herodes: “José levantou-se durante a noite, tomou o menino e sua mãe e partiu para o Egito. Ali permaneceu até a morte de Herodes” (Mt 2,14-15). A história da humanidade é feita de migrações: em cada latitude não há povo que não tenha conhecido o fenômeno migratório.
A propósito, durante os séculos assistimos a grandes expressões de solidariedade, embora não tenham faltado também tensões sociais. Hoje, o contexto de crise econômica infelizmente favorece o emergir de comportamentos de fechamento e não acolhimento. Em algumas partes do mundo erguem-se muros e barreiras. Às vezes parece que a obra silenciosa de muitos homens e mulheres que, de várias maneiras, se prodigalizam para ajudar e assistir os refugiados e os migrantes, seja obscurecida pelo rumor de outros que dão voz a um egoísmo instintivo. Contudo o fechamento não é uma solução, pelo contrário, acaba por favorecer os tráficos criminosos. A única solução é a solidariedade. Solidariedade com o migrante, solidariedade com o estrangeiro...
Compromisso com os migrantes
Hoje o compromisso dos cristãos nesse âmbito é urgente assim como era no passado. Observando só o século passado, recordamos a admirável figura de Santa Francisca Cabrini, que dedicou a sua vida juntamente com as suas companheiras aos migrantes rumo aos Estados Unidos da América. Também hoje precisamos desses testemunhos a fim de que a misericórdia possa alcançar muitos necessitados. É um compromisso que envolve todos, sem exclusão. As dioceses, as paróquias, os institutos de vida consagrada, as associações e os movimentos, assim como cada cristão, todos são chamados a acolher os irmãos e as irmãs que fogem da guerra, da fome, da violência e das condições de vida desumanas. Todos juntos somos uma grande força de apoio para quantos perderam pátria, família, trabalho e dignidade. Há alguns dias aconteceu uma pequena história urbana. Havia um refugiado à procura de uma rua e uma senhora aproximando-se dele, disse-lhe: “O senhor está a procurar algo?”. O refugiado, que estava descalço, respondeu: “Gostaria de ir à praça de São Pedro para atravessar a Porta Santa”. E a senhora pensou: “Mas sem sapatos como fará para caminhar?”. E chamou um táxi. Mas o migrante, aquele refugiado cheirava mal e o motorista do táxi quase não o deixava entrar, mas no final aceitou levá-lo. E a senhora, ao lado dele, durante o percurso perguntou-lhe sobre a sua história de refugiado e de migrante: dez minutos para chegar à praça. O homem narrou a sua história de dor, de guerra, de fome e a razão pela qual fugiu da sua pátria para migrar para aqui. Quando chegaram, a senhora abriu a bolsa para pagar o táxi e o taxista, que no início não queria que o migrante entrasse porque cheirava mal, disse à senhora: “Não, senhora, sou eu que devo pagar-lhe porque me fez ouvir uma história que mudou o meu coração”. Essa senhora sabia o que significa a dor de um migrante porque tem sangue armênio e conhece o sofrimento do seu povo. Quando fazemos algo desse tipo, no início não aceitamos porque nos incomoda um pouco, “... o mau cheiro...”. Mas no final, a história perfuma-nos a alma e faz-nos mudar. Pensai nessa história e pensemos no que podemos fazer pelos refugiados.
Outro aspecto é vestir quem está nu: o que significa senão restituir dignidade a quem a perdeu? Certamente, dando roupas a quem não as tem; mas pensemos também nas mulheres vítimas do tráfico obrigadas a estar pelas ruas, ou noutras pessoas, são demasiados os modos de usar o corpo humano como mercadoria, até dos menores. E também não ter um trabalho, uma casa, um salário justo é uma forma de nudez, ou ser discriminados pela raça, pela fé, são todas formas de “nudez”, diante das quais como cristãos somos chamados a estar atentos, vigilantes e prontos a agir.
Queridos irmãos e irmãs, não caiamos na armadilha de nos fecharmos em nós mesmos, indiferentes às necessidades dos irmãos e preocupados só com os nossos interesses. É precisamente na medida em que nos abrimos aos outros que a vida se torna fecunda, as sociedades restabelecem a paz e as pessoas recuperam a sua plena dignidade. E não vos esqueçais daquela senhora, do migrante que cheirava mal, nem do taxista ao qual o migrante mudou a alma.
Audiência Geral do papa Francisco. Praça São Pedro, 26 de outubro de 2016
Caros irmãos e irmãs!
Depois da sua Ressurreição, Jesus apareceu várias vezes aos discípulos, antes de se elevar à glória do Pai. O trecho do Evangelho que há pouco ouvimos (cf. Lc 24, 45-48) narra uma dessas aparições, na qual o Senhor indica o conteúdo fundamental da pregação que os apóstolos deverão transmitir ao mundo. Podemos resumi-la com estas duas palavras: “conversão” e “perdão dos pecados”. Trata-se de dois aspectos qualificadores da misericórdia de Deus que, com amor, cuida de nós. Hoje, tenhamos em consideração a conversão.
O que é a conversão? Ela está presente na Bíblia inteira, e de maneira particular na pregação dos profetas, que convidam continuamente o povo a “voltar para o Senhor”, pedindo-lhe perdão e mudando o seu estilo de vida. Em conformidade com os profetas, converter-se significa mudar de rumo e voltar de novo para o Senhor, baseando-se na certeza de que Ele nos ama, e que o seu amor é sempre fiel. Voltar para o Senhor!
Jesus fez da conversão a primeira palavra da sua pregação: “Convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1, 15). É com este anúncio que Ele se apresenta ao povo, pedindo-lhe que aceite a sua palavra como a última e definitiva que o Pai dirige à humanidade (cf. Mc 12, 1-11). No que se refere à pregação dos profetas, Jesus insiste ainda mais sobre a dimensão interior da conversão. Com efeito, nela está comprometida a pessoa inteira, coração e mente, para se tornar uma criatura nova, uma pessoa renovada. Quem transforma o coração renova-se.
Mudança de vida
Quando Jesus exorta à conversão não se arvora em juiz das pessoas, mas fá-lo a partir da proximidade, da partilha da condição humana e, por conseguinte, do caminho, da casa, da mesa... A misericórdia por aqueles que tinham necessidade de mudar de vida ocorria com a sua presença amável, para incluir cada um na sua história de salvação. Jesus persuadia as pessoas com a amabilidade, com o amor, e com esse seu comportamento Ele tocava profundamente o coração das pessoas, e elas sentiam-se atraídas pelo amor de Deus e impelidas a mudar de vida. Por exemplo, as conversões de Mateus (cf. Mt 9, 9-13) e de Zaqueu (cf. Lc 19, 1-10) tiveram lugar precisamente deste modo, porque eles sentiam que eram amados por Jesus e, através dele, pelo Pai. A verdadeira conversão verifica-se quando acolhemos o dom da graça; e um sinal claro da sua autenticidade é quando sentimos as necessidades dos irmãos e estamos dispostos a ir ao seu encontro.
Estimados irmãos e irmãs, quantas vezes também nós sentimos a exigência de uma mudança que transforme a nossa pessoa inteira! Quantas vezes dizemos: “Devo mudar, não posso continuar assim... Ao longo deste caminho, a minha vida não dará fruto, será uma existência inútil, e eu não serei feliz!”. Quantas vezes pensamos assim, quantas vezes... E Jesus, ao nosso lado, com a mão estendida diz-nos: “Vem, vem ter comigo. Sou eu que ajo: mudarei o teu coração, transformarei a tua vida, far-te-ei feliz!”. Mas nós acreditamos nisto ou não? Cremos ou não? O que pensais vós: acreditais nisto ou não? Menos aplausos e mais voz: credes ou não credes nisto? (O povo: “Sim!”). É assim! Jesus, que está ao nosso lado, convida-nos a mudar de vida. É Ele, mediante o Espírito Santo, que semeia em nós esta inquietação para mudarmos de vida e sermos um pouco melhores. Portanto, aceitemos este convite do Senhor, sem lhe opor resistências, porque somente se nos abrirmos à sua misericórdia encontraremos a verdadeira vida, a autêntica alegria. Nós só lhe devemos escancarar a porta, e Ele fará tudo o resto. Ele faz tudo; quanto a nós, compete-nos abrir de par em par o coração para que Ele possa curar-nos e fazer-nos progredir. Asseguro-vos que assim seremos mais felizes. Obrigado!
Audiência Jubilar do papa Francisco. Praça São Pedro, 18 de junho de 2016
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