Quarta, 24 Fevereiro 2016 13:14

O poder só é bom quando usado para o bem comum

 

Prezados irmãos e irmãs!

Prossigamos as catequeses sobre a misericórdia na Sagrada Escritura. Em vários trechos fala-se dos poderosos, dos reis, dos homens que estão “no alto”, e também da sua arrogância e dos seus abusos. A riqueza e o poder são realidades que podem ser boas e úteis para o bem comum, se forem postas ao serviço dos pobres e de todos, com justiça e caridade. Mas quando, como muitas vezes acontece, são vividas como privilégio, egoísmo e prepotência, transformam-se em instrumentos de corrupção e morte. Foi o que aconteceu no episódio da vinha de Nabot, descrito no capítulo 21 do primeiro Livro dos Reis, sobre o qual hoje meditaremos.

Nesse texto narra-se que o rei de Israel, Acab, quer comprar a vinha de um homem chamado Nabot, porque aquela vinha confina com o palácio real. A proposta parece legítima, até generosa, mas em Israel as propriedades rurais eram consideradas quase inalienáveis. Com efeito, o livro do Levítico prescreve: “A terra não se venderá para sempre, porque a terra é minha, e vós estais na minha casa como estrangeiros ou hóspedes” (Lv 25,23). A terra é sagrada, porque constitui um dom do Senhor que, como tal, deve ser guardado e preservado, pois é sinal da bênção divina que passa de geração em geração, e garantia de dignidade para todos. Compreende-se assim a resposta negativa de Nabot ao rei: “Deus me livre de te ceder a herança dos meus pais!” (1Rs 21, 3).

O rei Acab reage a essa rejeição com amargura e indignação. Sente-se ofendido – ele é o rei, o poderoso – diminuído na sua autoridade de soberano e frustrado na possibilidade de satisfazer o seu desejo de posse. Vendo-o tão abatido, a sua esposa Jezabel, uma rainha pagã que tinha aumentado os cultos idolátricos e mandava matar os profetas do Senhor (cf. 1Rs 18,4) – não era feia, mas maldosa! – decide intervir. As palavras com as quais se dirige ao rei são muito significativas. Escutai a maldade que está por detrás dessa mulher: “Não és tu, porventura, o rei de Israel? Vamos! Come, não te incomodes. Eu dar-te-ei a vinha de Nabot de Jezrael” (v. 7). Ela põe em evidência o prestígio e o poder do rei que, segundo o seu modo de ver, são postos em discussão pela rejeição de Nabot. Um poder que, ao contrário, ela considera absoluto e mediante o qual todos os desejos do rei se tornam uma ordem. O grande santo Ambrósio escreveu um livrinho sobre esse episódio. Chama-se “Nabot”. Seria bom lê-lo neste tempo de Quaresma. É muito bonito e deveras concreto.

Autoridade sem misericórdia leva à morte

Recordando tudo isso, Jesus diz-nos: “Sabeis que os chefes das nações as subjugam, e que os grandes as governam com autoridade. Não seja assim entre vós. Todo aquele que quiser tornar-se grande entre vós, que se faça vosso servo. E o que quiser tornar-se o primeiro entre vós, que se faça vosso escravo” (Mt 20,25-27). Se perdermos a dimensão do serviço, o poder transforma-se em arrogância, tornando-se domínio e opressão. É precisamente isso que acontece no episódio da vinha de Nabot. Sem escrúpulos, a rainha Jezabel decide eliminar Nabot e põe em ação o seu plano. Serve-se das aparências enganadoras de uma legalidade perversa: em nome do rei, envia cartas aos anciãos e aos notáveis da cidade, ordenando que falsas testemunhas acusem publicamente Nabot de ter amaldiçoado a Deus e ao rei, um crime que devia ser punido com a morte. Assim, assassinando Nabot, o rei pode apoderar-se da sua vinha. E não se trata de uma história de outros tempos, mas é uma história também dos nossos dias, dos poderosos que, por terem mais dinheiro, exploram os pobres, exploram o povo. É a história do tráfico de pessoas, do trabalho escravo, dos simples que labutam clandestinamente, com um salário mínimo, para enriquecer os poderosos. É a história dos políticos corruptos, que querem cada vez mais! Por isso eu dizia que seria bom ler esse livro de santo Ambrósio, porque se trata de um livro de atualidade.

Eis para onde leva o exercício de uma autoridade sem respeito pela vida, sem justiça e sem misericórdia. E eis para onde leva a sede de poder: torna-se ganância que deseja possuir tudo. A esse propósito, há um texto do profeta Isaías que é particularmente iluminador. Nele, o Senhor alerta contra a avidez os ricos latifundiários que querem possuir cada vez mais casas e terrenos. E assim diz o profeta Isaías:

“Ai de vós, que ajuntais casa a casa / e que acrescentais campo a campo / até que não haja mais lugar / e que sejais os únicos / proprietários da terra” (Is 5,8).

E o profeta Isaías não era comunista! No entanto, Deus é maior do que a malvadez e os jogos sujos feitos pelos seres humanos. Na sua misericórdia envia o profeta Elias para ajudar Acab a converter-se. Agora viremos a página, e como continua a história? Deus vê esse crime e bate também à porta do coração de Acab; e o rei, posto diante do seu pecado, compreende, humilha-se e pede perdão. Como seria bom se os poderosos exploradores de hoje fizessem o mesmo! O Senhor aceita o seu arrependimento; no entanto, um inocente foi assassinado, e a culpa cometida terá consequências inevitáveis. Com efeito, o mal praticado deixa os seus vestígios dolorosos, e a história dos homens traz as suas feridas.

Também neste caso, a misericórdia indica a via mestra que deve ser percorrida. A misericórdia pode curar as chagas e inclusive mudar a história. Abre o teu coração à misericórdia! A misericórdia divina é mais forte do que o pecado dos homens. É mais forte, esse é o exemplo de Acab! Nós conhecemos o seu poder, quando recordamos a vinda do Inocente Filho de Deus que se fez homem para destruir o mal com o seu perdão. Jesus Cristo é o verdadeiro rei, mas o seu poder é completamente diferente. O seu trono é a cruz. Ele não é um rei que mata, mas, ao contrário, dá a vida. O seu ir ao encontro de todos, sobretudo dos mais frágeis, derrota a solidão e o destino de morte para o qual leva o pecado. Com a sua proximidade e ternura, Jesus Cristo leva os pecadores ao espaço da graça e do perdão. É nisso que consiste a misericórdia de Deus.

Audiência Geral do papa Francisco. Praça São Pedro, 24 de fevereiro de 2016

 

 

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