Neste mundo agitado e inquieto e nesta Igreja também sonolenta, redescobrir o verdadeiro rosto de Deus é graça incomparável. Papa Francisco, como bom jesuíta, adquiriu profundamente a dimensão da misericórdia da espiritualidade de Santo Inácio de Loyola e na hora certa a propõe a toda a Igreja.
Deus é bondade, clemência, perdão, misericórdia, confiança, diálogo, amor, paciência, sobretudo ele é Pai e como Pai se sente profundamente envolvido na sorte de cada um de seus filhos. Ele quer que ninguém se perca e tenha vida plena e abundante. Não fica contente com a morte do pecador, mas que se converta e viva. O nome de cada ser humano está escrito na palma de suas mãos, como diz o Profeta Isaías, portanto, cada um está presente ao seu coração de maneira pessoal e profunda.
Deus não se manifesta com "bravatas" na vida de ninguém, também o mais pervertido, com atitudes não corretas, vingativas, acusatórias. Seria suficiente analisar profundamente o comportamento do Pai Misericordioso apresentado por Lucas 15. O filho menor aprontou, abandonou a casa, se envolveu naquilo que não presta, mas o pai quando ainda estava longe o avistou, correu ao seu encontro, o abraçou, o beijou, colocou no seu dedo o anel, lhe restituiu a dignidade perdida com a nova veste, fez festa.
O verdadeiro rosto de Deus é esse; ele é o Pai de todas as misericórdias e de toda consolação, como diz o Apóstolo Paulo. O Ano da Misericórdia quer despertar em toda a Igreja essa grande realidade que o Filho nos revelou. Quer que através da contemplação da misericórdia do Pai a Igreja também se torne misericordiosa, atenta, samaritana diante de tantas pessoas chagadas e esgotadas, diante dos próprios fracassos e diante de inúmeros problemas que as encontram, não poucas vezes, impotentes.
É preciso, portanto, mudar a ideia que temos de Deus. Ele não é policial, juiz, mas Pai, Amor. É claro que isso levanta problemas sérios como a relação entre misericórdia e justiça. Mas não quero entrar no assunto, é suficiente ler o que o Catecismo da Igreja Católica diz para encontrar respostas esclarecedoras.
É urgente redescobrir o verdadeiro rosto do Pai de nosso Senhor Jesus Cristo para que, sentindo-nos amados, saibamos amar. Quem se sente amado, considerado, acolhido – ama, acolhe perdoa. Que conversão de 360 graus temos que fazer, seja em nível pessoal como eclesial! Infelizmente gostamos mais de apontar o dedo do que estender a mão; gostamos mais de nos apelar à lei e ao direito que ao Evangelho.
Que o Ano da Misericórdia desperte na Igreja do Filho que nos amou até o fim quando ainda éramos pecadores, um desejo profundo de entender os comportamentos divinos para encarná-los nas situações humanas conflitivas e, às vezes, absurdas da vida pessoal, social e eclesial, colaborando na construção de um mundo novo, onde não há mais diferenças que dividem e afastam uns dos outros, mas onde o amor une e faz superar as inevitáveis diferenças que existem.
Porque não reler o hino à caridade (1Cor. 13) assim há de entender melhor o que é a misericórdia!?
Dom Carmelo Scampa
Bispo de São Luís de Montes Belos