Quero partilhar uma parábola que li um tempo atrás e aqui apresento, com pequenas intervenções, para o início de nossa conversa:
De Jerusalém, uma família descia rumo a Jericó. Descia sobre os caminhos tortuosos e difíceis da história. Trazia as esperanças e os projetos inspirados em sua experiência de Deus. Numa curva da estrada, foi assediada pela Modernidade – tão marcada pelo relativismo, ateísmo prático e secularismo. Essa época não era má por natureza e nem pior do que tantos outros tempos. Mas, por algum motivo, pareceu se enfurecer logo contra a família, não gostando de sua paz, de sua fé e de suas esperanças, de suas propostas que ainda espelhavam a luz da cidade de Deus, donde descia, e um projeto de salvação que trazia.
Da família roubou, em primeiro lugar, a fé, que bem ou mal tinha conservado até aquele momento, dentro do sacrário da cultura popular, por séculos. Depois, despiu-a da unidade e da fidelidade, da casa e da terra, do trabalho e da saúde, da educação e da alegria dos filhos e de toda coisa boa que o amor e o carinho lhe ofereciam. Tirou-lhe, enfim, a serenidade e o aconchego do lar, a solidariedade da vizinhança e a hospitalidade sagrada para com os caminhantes e os pobres.
A Modernidade deixou-a, assim, quase morta, à beira da estrada e foi banquetear-se com o Materialismo, o Consumismo e o Neoliberalismo, o Socialismo e tantos outros “ismos” ideológicos e contrários à proposta do Evangelho, rindo da desgraça da família.
Aconteceu que passou por aquele caminho um pensador, observou atentamente a família, estudou sua situação com atenção e concluiu:
“A família não tem solução. Ela está morta!”.
Passou também por ela um anarquista, despreocupado com orientações, pregoeiro de liberdades sem compromisso, e sentenciou: “A família é muito opressora: é melhor acabar com ela de uma vez. É bom que cada um cuide apenas de si!”.
Achou-a, por fim, um religioso, mas moralista e cheio de razões. Começou a culpá-la de sua situação: “Por que você não resistiu aos bandidos? Por que não se resguardou melhor? Você devia ter lutado mais! Teria sido, você, por acaso, cúmplice dos bandidos que a agrediram?”
Finalmente, logo após, passou Jesus. Viu o estado deplorável da família e compadeceu-se dela. Curvando-se, curou-lhe as feridas, aplicando-lhe o óleo da ternura e o vinho da misericórdia. Depois, carregou-a nos ombros, levou-a à Igreja e, entregando-a, lhe disse: “Eis quem te trago! Já paguei por ela tudo o que devia ser pago. Comprei-a com meu sangue e quero fazer dela a minha pequena esposa. Não a deixe mais sozinha pelo caminho, em poder dos tempos. Alimente-a com a minha Palavra e com o meu Pão, e, ao meu retorno, pedir-lhe-ei contas dela”.
Essa parábola nos faz, sacerdotes e leigos, refletir sobre a grande responsabilidade da Igreja frente às realidades que envolvem as famílias, todas elas, em qualquer situação. Não somos juízes dos tempos assim chamados modernos, mas somos chamados a estar, como servos, nesta “estalagem”, onde o Senhor Jesus confia a guarda e os cuidados daqueles que Ele mesmo, na sua misericórdia, resgata e recupera.
A Igreja, por meio de seus diversos organismos, pastorais e movimentos, vive a permanente preocupação do cuidado com a pessoa humana e com a família, onde ela nasce. Esse cuidado é a expressão maior do amor que ela dedica a seu Senhor ao acolher o seu mandato: “Amai-vos uns aos outros, como eu vos amei”, “Dai-lhes, vós mesmos de comer”, “Tudo o que fizerdes ao menor dos meus irmãos é a mim que fizestes”.
Na Arquidiocese de Goiânia, o Setor Família e Vida deseja congregar todos aqueles que manifestam seu amor ao Senhor pelo cuidado com a pessoa humana, nas diversas realidades familiares em que se encontra. Cada movimento ou pastoral que tem a família como foco de sua ação é chamado a congregar-se somando forças e dividindo as preocupações, trabalhando de modo preventivo e também buscando a restauração das situações que não puderam ser evitadas.
Acreditar na família é construir o futuro, e o futuro que construímos é a realidade do Reino de Deus que, embora não seja pleno em nossa realidade humana, aqui começa e se desenvolve.
Que essas reflexões nos ajudem a conhecer um pouco melhor os trabalhos que atualmente acontecem em nossa Arquidiocese, bem como seus protagonistas. Afinal, o Setor Família e Vida é o lugar em que todos os movimentos e pastorais se envolvem e se unem compartilhando a mesma missão, que é da Igreja, com suas características próprias, sem perder sua identidade.
Dom Moacir Silva Arantes
Bispo auxiliar de Goiânia
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