É do nosso conhecimento que o Ano Litúrgico celebra, por etapas, o mistério de Cristo que vem, nasce, se manifesta, enfrenta a paixão e a morte, envia o Espírito, etc. Muito importante é não esquecer também outros aspectos da existência de Cristo, como por exemplo, os 30 anos de vida escondida em Nazaré, o caminho ordinário de Jesus. Tudo foi “evento de graça e de salvação”.
No Tempo ordinário do Ano litúrgico são colocados dois períodos – um mais breve e outro mais comprido – conhecidos mesmo como Tempo Comum. Falando de Tempo Comum, não significa falar de um Tempo inferior, sem qualificação, sem propostas e provocações, muito pelo contrário. É um tempo carregado de provocações fundamentais. Gostaria de evidenciar somente algumas dessas provocações, simplesmente como iluminação e sem a pretensão de aprofundá-las porque não é este o momento.
1. Em primeiro lugar, partindo da cor litúrgica do Tempo Comum, que é o verde, sublinho que é Tempo de ESPERANÇA e de ESPERA. ESPERANÇA com letras grandes mesmo, não de esperanças efêmeras, penúltimas, mas daquela Esperança que dá sentido aos sofrimentos do tempo presente, que abre o coração para a volta definitiva do Senhor e que faz gritar à Igreja, sobretudo no momento da celebração eucarística “vem Senhor Jesus”, Maranathá. A Esperança que não decepciona é fundamental recuperá-la na vida espiritual ordinária para não viver de ilusões, de frustrações e de esforços que claramente dizem que estamos construindo sobre a areia e não sobre a rocha.
2. O Tempo ordinário, ou Comum, evidencia também outro aspecto básico da vida cristã: “Vem e segue-me”. Portanto é um Tempo de seguimento e de discipulado do Senhor, conhecido mais profundamente nos seus gestos e palavras. Daí a fundamental importância das leituras bíblicas do lecionário que ajudam neste esforço de entrar no mistério de Cristo para seguir seus passos, seus exemplos, seus ensinamentos e desta forma se tornar discípulos dele. O trabalho é lento, meditativo, mas essencial para não viver uma vida cristã oca e de eventos que não deixam rastos e sinais verdadeiros de seguimento do Mestre.
3. Um terceiro ponto que me parece significativo é recuperar exatamente a importância do que é “comum”, “ordinário”. A vida de todos é feita de gestos e ações simples e despercebidas. É impressionante saber que dos 33 anos de vida de Cristo, 30 foram vividos no escondimento de Nazaré! Também aqueles 30 anos foram anos de salvação, foram “Kairós” e não simplesmente uma sequência cronológica de fato sem importância. A lei da encarnação evidencia a dimensão do que é “comum” na vida da pessoa e da história. O arroz e feijão de cada dia nos proporcionam o básico e o essencial para a sobrevivência. Naturalmente isso tudo deve ser objeto de catequese, de formação, de aprofundamento para não banalizar as provocações litúrgicas ou reduzi-las a ritos sem consequência e enriquecimento.
4 Um outro aspecto que merece atenção no Tempo Comum é o Domingo, a única festa que quebra o ritmo desse período. Normalmente neste Tempo não há celebrações significativas como nos demais Tempos do ano, mas o Domingo, Páscoa semanal do Senhor, é um ponto forte a ser recuperado na sua pureza e beleza. Há documentos da Igreja (veja São João Paulo II), além do Concilio Vaticano II, que falam detalhadamente sobre o Domingo, festa primordial que não pode ser substituída por nada. No Tempo Comum o Domingo brilha como uma pérola polida e que deve ser completamente valorizada. O que ritma a importância do Domingo é o lecionário, enriquecido com a reforma litúrgica. Se a gente não fica de olhos abertos, gradualmente vamos perder o sentido autêntico do “primeiro dia da semana” para substitui-lo com o “fim de semana”, dia de lazer e de passeio.
Trata-se somente de algumas provocações a serem aprofundadas para que a liturgia se torne vida, espiritualidade encarnada, animada pela esperança e o espírito de espera do Senhor que voltará.
Dom Carmelo Scampa
Bispo diocesano de São Luís de Montes Belos-GO