Para dom Guilherme, “Pastoral Carcerária merece todo nosso reconhecimento”

Está disponível a última parte da entrevista concedida pelo bispo de Ipameri (GO) e presidente da Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), dom Guilherme Antônio Werlang, a respeito da missão e dos desafios da Pastoral Carcerária. O bispo participou do programa de televisão Igreja no Brasil, produzido pela assessoria de imprensa da entidade e veiculado pelas TVs de inspiração católica.

No segundo bloco do programa, dom Guilherme fala da situação da mulher presa, dos riscos dos projetos de privatização do sistema carcerário e envia uma mensagem aos que atuam na Pastoral. “A nossa homenagem a tantos homens, a tantas mulheres, sejam eles padres, religiosos ou religiosas, ou sejam leigos e leigas, o nosso reconhecimento. Vocês, com certeza, haverão de ouvir um dia de Jesus, conforme está escrito em Mateus, 25, onde fala do juízo final, da qual eu tirei antes um versículo: ‘Vinde benditos de meu pai para o Reino, porque eu estava preso e vocês vieram me visitar'”, diz.

Confira a última parte da entrevista:

Dom Guilherme, o tema que vamos falar agora é sobre a mulher presa. É uma realidade em que a Pastoral também tem atuado. O que tem sido feito nesse ponto?

Dom Guilherme Werlang: Bem, primeiro, nós devemos entender que o sistema carcerário brasileiro fundamentalmente é feito por homens e para homens. Nós não tínhamos tantas mulheres encarceradas há décadas, com certeza o público feminino é o que mais cresceu nos nossos cárceres, devido especialmente a ela ser hoje vítima dos traficantes. A gente chama assim no mundo das drogas, ela é colocada como “mula”, mas ela é presa como traficante, porque os grandes se escondem e ela passa a ser vítima e, dentro desse mundo todo existem muitos outros crimes que antes a mulher não estava tão exposta.

A questão de a Pastoral Carcerária acompanhar as mulheres dentro dos presídios é muito difícil. Primeiro, em muitos lugares não existem celas próprias e alas próprias femininas. Temos em alguns lugares, mas a maioria são celas na mesma ala, frente a frente, não existe privacidade. A mulher, em qualquer situação, ela deve ter o seu direito de uma privacidade maior resguardo, então esse é um grande problema. Outra questão, a mulher muitas vezes quando ela é presa, quando ela vai parar atrás das grades, ela está gravida e aí acontece todo um problema… ela se preocupa, a família lá fora se preocupa como vai ser o acompanhamento dessa gestação, a questão da higiene e a higiene própria que a mulher tanto precisa também não tem condição mínima de ser atendida dentro dos cárceres… ela se preocupa quando ela é mãe e tem filhos lá fora… “quem está cuidando do meu filho?”, “como é que será que ele está, será que ele está caindo nesse mundo que eu estou agora?”

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Quando a mulher chega a dar à luz dentro do presidio falta assistência medica, falta higiene, faltam recursos mínimos básicos para um bom parto, então, a mulher sofre muitos outros problemas muitos mais sérios do que o público masculino. Além disso, a Pastoral Carcerária quer ser uma presença solidaria junto às mulheres. A mulher também é tratada de uma forma diferenciada, ainda discriminando junto ao sistema jurídico bons advogados. Ela não tem a mesma força de barganha do que os homens têm muitas vezes, então ela passa a ser duas, três, quatro vezes mais vitimizada do que os homens. A Pastoral Carcerária quer ser uma boa notícia a essas mulheres, ela quer, de fato, que ela tenha sua dignidade de mulher respeitada e que possa ter um trabalho muito significativo com ela. Se ela tem filhos, a Pastoral Carcerária também tem que olhar a situação dos filhos, a situação da sua família que está lá fora e lá dentro que ela possa ter esperanças, esperanças de que numa justiça restaurativa, que nós já abordamos anteriormente, ela possa também desenvolver trabalhos de reabilitação de reinserção social. Se você precisaria, por exemplo, de uma empregada doméstica, você meu amigo que está ouvindo agora, você empregaria uma mulher que passou pelo sistema carcerário brasileiro? Então quando ela termina de cumprir sua pena é muito mais difícil reinserir uma mulher de uma forma normal e digna, dentro da sociedade brasileira do que o homem, então, por isso a mulher tem uma atenção toda especial por parte da Pastoral Carcerária.

Dom Guilherme, diante dessa realidade do sistema prisional brasileiro, há projetos que visam a privatização dos presídios. A CNBB já se pronunciou a respeito, o senhor pode comentar sobre o posicionamento dos bispos?

Dom Guilherme Werlang: Nós estamos estudando. É uma questão no Brasil ainda relativamente nova. Nós estamos olhando em diversos países, mas, fundamentalmente, nós CNBB, recentemente, numa reunião do Conselho Episcopal Pastoral (CONSEP), fizemos uma nota, que saiu pela presidência da CNBB, onde nós nos posicionamos radicalmente contra. Nós somos contra a privatização por uma série de questões. Existem pessoas que dizem que melhora significativamente. Nós temos no Brasil, no Nordeste, no Norte e em Santa Catarina, Minas Gerais algumas experiências. Nós não temos visto grandes diferenças para melhor, mesmo na reinserção, mas a questão principal é que, ao privatizar, nós estamos colocando os presos como uma mercadoria de geração de lucros, as empresas que vão assumir as cadeias. O que interessa para eles é quanto mais tempo o preso fica lá, mais ele vai gerar lucro para a empresa.

O ser humano, se ele erra, ele precisa reparar o erro, para isso tem a Justiça, mas ele não pode ser mercadoria de compra e de venda. Nós também percebemos, segundo a Pastoral Carcerária, que os funcionários carcerários das empresas privatizadas não são tão bem pagos quanto do sistema público, eu não estou dizendo que os agentes carcerários do sistema público estejam bem pagos, mas quem privatiza tem uma finalidade única: lucro. Ele não está interessando muito com o ser humano, ele quer o lucro, e se ele deseja o lucro, aí, nós corremos o risco de várias injustiças maiores: sobre a permanência mais tempo, sobre a alimentação (a Pastoral Carcerária tem nos dito que a alimentação também não é de qualidade), o trabalho que é feito lá dentro pela Pastoral Carcerária é dificultado muito mais do que no sistema público e, depois, o sistema carcerário é uma obrigação do Estado o Estado tem algumas obrigações que não podem e não devem ser privatizadas, que são questões básicas para o bom funcionamento da sociedade brasileira. Claro que o estado não pode assumir tudo, mas o Estado não deveria, jamais, pensar em privatização do sistema carcerário.

Leia a nota da CNBB sobre a privatização dos presídios.

Dom Guilherme, nos deixe uma mensagem, para nós e para todos aqueles que nos acompanham e, principalmente, aqueles que trabalham com a Pastoral Carcerária.

Dom Guilherme Werlang: Bem, a Pastoral Carcerária merece todo nosso reconhecimento, enquanto Igreja, enquanto CNBB, mas todo o reconhecimento da sociedade brasileira. A Pastoral Carcerária, além de fazer o trabalho pastoral, muitas vezes é mediadora de conflitos, de violências… A nossa homenagem a tantos homens, a tantas mulheres, sejam eles padres, religiosos ou religiosas, ou sejam leigos e leigas, o nosso reconhecimento. Vocês, com certeza, haverão de ouvir um dia de Jesus, conforme está escrito em Mateus, 25, onde fala do juízo final, da qual eu tirei antes um versículo: “Vinde benditos de meu pai para o Reino, porque eu estava preso e vocês vieram me visitar”. Nós, brasileiros e brasileiras, temos que deixar muito bem claro que o fato de alguém ter cometido um crime não o desumaniza, nós precisamos humanizar, nós precisamos recuperar esses nossos irmãos. É verdade que eles cometeram crimes, é verdade que eles cometeram delitos e é verdade que eles devem reparar esses delitos, mesmo sofrendo sansões, mas nós temos que mudar o nosso conceito, não pode estar baseado no punitivo e no vingativo, mas na misericórdia. Toda pessoa tem direito a uma oportunidade a mais, mas se nós nos fecharmos a eles, muito mais difícil será com que eles possam ser reabilitados e reinseridos na sociedade.

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Fonte: CNBB