A Igreja celebra com especial solenidade e com manifestações públicas, como a procissão, a Festa do Santíssimo Corpo e sangue de Cristo. Celebração que teve seus primórdios na Bélgica em 1258 com Santa Juliana de Cornillon e que foi crescendo cada vez até o Papa Urbano IV em 11 de agosto de 1264 estendê-la por toda a Igreja.
Praticamente celebramos de forma solene o que aconteceu no Cenáculo antes do Cristo padecer e ressuscitar: “fazei isto em memória de mim”. É o grande sacramento chamado pelo Concílio “o ponto mais alto e a fonte de toda a vida cristã”. Para não relativizar ou pior ainda banalizar a Eucaristia é bom fazer referência à Bíblia que nos obriga a sublinhar aspectos importantes e decisivos para a nossa espiritualidade.
Eucaristia e Aliança
Na Eucaristia Jesus se entrega por nós, tornando atual aquela entrega que se deu de maneira definitiva na Cruz, da qual a derradeira ceia é antecipação profética. Mas isso se coloca na lógica da Aliança de Deus com o seu povo, retomada expressamente pela palavra de Jesus “este é o sangue da aliança” (Mt 26,28).
A Aliança diz o amor incansável com o qual Deus amou o mundo; diz a relação profunda de Deus com o seu povo; diz o princípio que configura toda a vida do povo. Ligando a Eucaristia com a Aliança, Jesus quer dizer que a Eucaristia doa para nós a força para nos deixar atrair no movimento do amor misericordioso de Deus, celebrado definitivamente na Páscoa e que encontrará seu pleno cumprimento na plenitude escatológica: “na espera de sua volta”. Isso tudo tem consequências para uma espiritualidade eucarística consistente.
Eucaristia, Igreja e caridade
Nas cartas de Paulo, sobretudo nos capítulos 10 e 11 da Primeira Carta aos Coríntios, são evidenciados os relacionamentos entre Eucaristia e Igreja. Partindo da bebida e do alimento que alimenta espiritualmente o povo de Deus no deserto, Paulo faz uma ligação estrita entre o corpo eucarístico de Jesus e o corpo eclesial: “Porque há um só pão, nós também, embora muitos, formamos um só corpo, de fato todos participamos do mesmo pão” (1 Cor 10, 17). Paulo depois sublinha a incompatibilidade que existe entre a celebração e a falta de caridade entre os participantes da assembleia.
A eucaristia configura a comunidade segundo as exigências do dom e da partilha, também para essas exigências a comunidade coloca resistências. Estes sintéticos elementos abrem um leque amplo e de grande compromisso para as desigualdades que existem na sociedade e que questionam a validade de nossas eucaristias. A caridade é o melhor caminho, dirá ainda Paulo e se faltar “nada sou”. Reduzir a Missa a celebração bonita, empolgante, mas vazia de solidariedade é brincar com Deus.
Celebrar o Corpus Christi é uma oportunidade propícia para uma avaliação realista do valor real que a Eucaristia tem para cada um e para nossas comunidades. Nada de show, nada de excêntrico, nada de exterioridades desnecessárias, nada de intimismos, nada de desvios que seduzem o povo e que esvaziam o mistério.
Aliança exige um compromisso bilateral e permanente e, portanto, um crescimento na doação e fidelidade a Deus por parte do indivíduo e por parte de toda a comunidade.
A caridade eucarística exige um compromisso bem maior sobre a atenção aos pobres, excluídos de nossas comunidades e de nossa sociedade. O Cristo eucarístico levado pelas ruas de nossas cidades aponte realmente em quem nós acreditamos e qual é o projeto de vida que seguimos.
Dom Carmelo Scampa
Bispo emérito de São Luis de Montes Belos