Foi lançado, no dia 11 de junho, na Assembleia Legislativa do Estado de Goiás (ALEGO), o Caderno Conflitos no Campo 2023 – análise dos dados registrados em Goiás. O evento, que acontece anualmente, teve a participação de diversas autoridades dos poderes públicos e da Igreja Católica. Dom Jeová Elias, bispo diocesano de Goiás e responsável pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) no Regional Centro-Oeste da CNBB (Igreja no estado de Goiás e no Distrito Federal) também marcou presença encerrando o evento com a fala “Injustiça e violência no campo”. A fala inicial foi feita pelo arcebispo de Goiânia, e primeiro-vice-presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) Dom João Justino. O bispo auxiliar de Goiânia, Dom Danival Milagres, também participou.
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De acordo com os dados apresentados, Goiás passou de 9º para 5º estado com maior número de registros de conflitos no campo em todo o Brasil. O documento mostra que o estado é o 1º em número de trabalhadores resgatados do trabalho escravo e o 5º em número de registros de conflitos por terra e de violências decorrentes deles. O aumento percentual no número de conflitos registrados em Goiás entre 2022 e 2023 foi de 108,80% enquanto no Brasil foi de 7,46%. Os causadores dos conflitos por terra em Goiás também foram apontados no Caderno. “Os principais causadores dessas violências e demais violações de direitos são fazendeiros e o governo estadual de Goiás, reforçando os indícios de formação de milícias contra agricultores familiares e, principalmente, famílias acampadas que reivindicam o acesso à terra”.
O Caderno Conflitos no Campo 2023, indica também que foi um agravante à situação, a aprovação da Lei Estadual nº 22.419/2023, que criou mecanismos para repressão e supressão de direitos de famílias acampadas à beira de rodovias. Só em 2023, quatro projetos de lei considerados inconstitucionais foram apresentados pela base do governo estadual à Assembleia Legislativa de Goiás, e pelo próprio governo, para criminalizar e punir as pessoas que lutam pelo acesso à terra por meio da reforma agrária. “Outros PLs com texto muito semelhante foram apresentados a seguir a assembleias de outros estados e à Câmara Federal”, diz um trecho do Caderno.
Durante o evento, vários representantes dos movimentos sociais do campo também relataram a realidade vivida pelas famílias vítimas de conflitos. “Esses dados mexem com a cabeça da gente, mas os testemunhos mexem com o nosso coração, com a nossa emoção, acho que falam até mais alto porque ilustram e não são apenas dados em papel, pesquisas simplesmente, mas que envolvem vidas e agradeço às pessoas que deram seus testemunhos e que também nos provocaram como Igreja e como autoridades também a agirmos para amenizar esse sofrimento terrível”, destacou em sua primeira fala Dom Jeová.
O bispo também comentou a leitura bíblica feita por Dom João Justino sobre a “Vinha de Nabote” (1Rs 21, 1-28). A passagem relata o episódio em que o Rei Acabe, da Samaria, deseja possuir a Vinha de Nabote, que ficava próxima ao seu palácio, mas Nabote não quis vendê-la por tratar-se de herança de família. O rei não gostou e, diante disso, a Rainha Jezabel articulou uma calúnia contra Nabote para que ele fosse morto em praça pública, o fato aconteceu e o rei se apossou de forma criminosa das terras do agricultor. “Esse episódio dramático retrata tão bem a realidade de hoje, o pequeno sitiante que é forçado, coagido a entregar sua terra para o rei, resiste porque tem consciência da importância da sacralidade dela para a sua família, mas paga um preço altíssimo e nós vimos nos dados apresentados aqui que os grandes responsáveis pela violência contra os pobres são dois: os grandes fazendeiros que concentram a terra e infelizmente o Estado também que deveria defender os pobres, os mais vulneráveis”, afirmou Dom Jeová.
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O bispo lembrou que a América Latina é a região do mundo em que há maior desigualdade na distribuição da terra: “metade da terra está nas mãos de 1% das unidades produtivas da América Latina”. Citou a sua tese sobre as viagens do Papa Francisco a América Latina que virou livro pela Paulus Editora e comentou que o Santo Padre em suas viagens pediu a defesa da vida humana em todos os sentidos: “O Papa Francisco tem insistido tantas vezes nos três tês dos encontros com os movimentos sociais: fala da sacralidade da terra, fala do direito e da obrigação do Estado fazer a reforma agrária, e a Doutrina Social da Igreja no seu compêndio prevê isso também”. Dom Jeová afirmou que a Igreja está atenta e dialogando, buscando colaborar para que os pobres consigam o direito à terra. Ele também criticou a aprovação em tempo recorde da lei nº 22.419/2023, que reprime as famílias acampadas em beiras de rodovias. “Essa lei colocada em pauta nesta casa é vergonhosa e foi aprovada em tempo recorde prejudicando os pobres, os mais vulneráveis, agora derrubar algo assim é moroso, demora muito tempo”.
Dom Jeová concluiu sua fala com um poema do Patativa do Assaré, um poeta camponês do estado do Ceará, onde nasceu também o bispo. Ele conheceu pessoalmente Patativa e se encantou pelo trabalho produzido pelo poeta, que faleceu há mais de 20 anos aos 93 anos de idade. O bispo recitou o poema “A terra é nossa”: “a terra é um bem comum que pertence a cada um; com o seu poder além, Deus fez a grande natura, mas não passou escritura da terra para ninguém e se a terra foi Deus quem fez, se é obra da criação deve cada camponês ter uma faixa de chão, quando o agregado solta o seu grito de revolta tem razão de reclamar não há maior padecer do que o camponês viver sem terra para trabalhar. O grande latifúndio egoísta e usurário da terra toda se apossa causando crises fatais, porém, nas leis naturais sabemos que a terra é nossa”.
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Durante o evento houve falas ainda de Saulo Reis, coordenador da CPT Goiás, que apresentou a análise dos dados publicados; do Dom João Justino que também comentou a passagem bíblica lembrando que esse modelo de agir do Rei Acabe recorda o que diz o Papa Francisco em relação ao modelo econômico que coloca o capital e os bens materiais acima do valor da pessoa e que não se intimida em tirar vidas; de Anderson Máximo, coordenador da Comissão de Soluções Fundiárias do Tribunal de Justiça de Goiás, que falou sobre o trabalho da comissão em diálogo com as comunidades ameaçadas de despejo em Goiás. A atividade contou ainda com falas do auditor fiscal do trabalho, Arnaldo Bastos, que comentou sobre o trabalho das equipes de fiscalização e combate ao trabalho escravo no estado; do promotor público Márcio Toledo, do Ministério Público estadual; do procurador da República Wilson Rocha, do Ministério Público Federal; de Ângela Cristina, ouvidora externa da DPE; da Mariana Costa, da DPU; da Michela Calaça, coordenadora do Departamento de Mediação e Conciliação de Conflitos Agrários do MDA; e da Francesca Monteverdi, da organização belga Entraide & Fraternité, que participou remotamente.
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A atividade foi acolhida na ALEGO por intermédio do deputado estadual Mauro Rubem, que ao finalizar o encontro disse que agora é preciso agir e continuar trabalhando pela unidade em prol dos mais vulneráveis.
Regional Centro-Oeste com Diocese de Goiás/Fotos e complemento de informações: CPT Goiás