Breves considerações acerca das exéquias e sepultura eclesiástica para os suicidas

1) Há relatos de que a Igreja Católica não realizava missas de sétimo dia para as pessoas que cometeram suicídio. Isso é verdade? Por que não fazia?

De fato a anterior legislação canônica, promulgada em 1917 pelo papa Bento XV excluía os suicidas dentre aqueles aos quais se deveria negar a sepultura eclesiástica (cf. c. 1240 § 1 nº 3) e, por consequência, ao que tivesse sido negada a sepultura eclesiástica, se lhe negava igualmente a missa exequial (missa de corpo presente) e também aquelas por ocasião do aniversário de morte e outros ofícios fúnebres públicos (cf. c. 1241).

Quanto ao período de vigência daquela legislação, a interpretação da doutrina majoritária referente aos dois cânones acima citados era a seguinte: “mesmo rechaçando o erro daqueles que afirmam que todos os que se suicidam não estão em são juízo, é preciso reconhecer que nem sempre é coisa fácil determinar quando os suicidas agiram com deliberação, nem quando provocaram a morte a si mesmos os que aparecem enforcados ou afogados ou mortos de um tiro ou de uma facada, mesmo que se encontre a arma junto ao cadáver. E está claro que enquanto não conste com certeza o suicídio deliberado e ademais este seja de domínio público, não se lhes pode privar da sepultura eclesiástica” (cf. ALONSO MORÁN, S., Comentário al c. 1240 § 1 nº 3 in Código de Derecho Canónico, BAC, Madrid 1951, p. 465).

A legislação canônica de 1917 foi revogada aos 25 de janeiro de 1983 com a promulgação do novo Código de Direito Canônico pelo papa João Paulo II, o qual entrou em vigor no dia 27 de novembro do mesmo ano.

2) Atualmente a Igreja faz ou não missa de sétimo dia para a pessoa que se suicidou?

A vigente legislação canônica, promulgada pelo papa João Paulo II aos 25 de janeiro de 1983 e que entrou em vigor no dia 27 de novembro do mesmo ano, estabelece em seus cânones 1183-1185 os casos nos quais “se deve conceder ou negar as exéquias eclesiásticas”.

A concessão de exéquias eclesiásticas se entende como um direito dos fiéis e como uma obrigação correlativa dos responsáveis pela sua concessão. Aliás, os próprios fiéis procuram que ninguém, a quem corresponda, seja privado delas.

Agora, a negação de exéquias eclesiásticas não exclui desde já, a possibilidade de oferecer sufrágios e orações em favor de qualquer pessoa defunta seja ou não crente, posto que a norma se refere unicamente em sentido específico às exéquias eclesiásticas, que como é sabido, diferem dos sufrágios, e estes por sua vez, são sempre possíveis em favor de quaisquer defuntos. Por outra parte, se trata de uma matéria delicada, como indicam os autores, que supõe uma exceção ao princípio geral do direito às exéquias eclesiásticas. Portanto, a negação de exéquias deve ser interpretada de forma estrita. Também é preciso levar em conta a sensibilidade do povo cristão e o próprio legislador que favorecem a generosidade e por isso se eliminou da legislação canônica a privação da sepultura eclesiástica (como uma sanção penal) por ser demasiado duro e ineficaz.
O elenco dos casos nos quais “se deve negar as exéquias eclesiásticas” encontra-se no c. 1184 e, ali não se contempla o fato dos suicídios. Durante a fase de revisão do texto, antes da sua promulgação, o fato foi levantado, mas não houve a sua incorporação no texto definitivo porque se julgou que antes que esclarecer, iria provocar ainda mais interrogações.

Assim, neste suposto se deve resolver a questão com benignidade: a) devem-se remover quaisquer possibilidades de escândalos na comunidade; b) deve-se evitar a missa exequial (missa de corpo presente); c) mas, não se proíbem os denominados sufrágios, dentre os quais se situa a comumente denominada “missa de sétimo dia”.

3) Como a Igreja vê o suicídio?

4) A pessoa que se suicida tem salvação ou condenação eterna (céu e inferno)? Qual a posição da Igreja sobre isso?

Responderei as duas perguntas numa só consideração.

O Catecismo da Igreja Católica, promulgado mediante a Constituição Apostólica “Fidei depositum”, do papa João Paulo II, datada de 11 de outubro de 1992, em sua terceira parte (“A vida em Cristo”), secção segunda (Os dez mandamentos), capítulo segundo (“Amarás o próximo como a ti mesmo), artigo sexto (O quinto mandamento), número I (O respeito à vida humana), esclarece acerca do suicídio:

“Cada um é responsável por sua vida diante de Deus que lha deu e que dela é sempre o único e soberano Senhor. Devemos receber a vida com reconhecimento e preservá-la para sua honra e a salvação de nossas almas. Somos administradores e não os proprietários da vida que Deus nos confiou. Não podemos dispor dela” (nº 2280).

“O suicídio contradiz a inclinação natural do ser humano a conservar e perpetuar a própria vida. É gravemente contrário ao justo amor de si mesmo. Ofende igualmente o amor do próximo porque rompe injustamente os vínculos de solidariedade com as sociedades familiar, nacional e humana, às quais nos ligam muitas obrigações. O suicídio é contrário ao amor do Deus vivo (nº 2281)”.

“Se for cometido com a intenção de servir de exemplo, principalmente para os jovens, o suicídio adquire ainda a gravidade de um escândalo. A cooperação voluntária ao suicídio é contrária à lei moral” (nº 2282).

“Distúrbios psíquicos graves, a angústia ou o medo grave da provação, do sofrimento ou da tortura podem diminuir a responsabilidade do suicida” (nº 2282).

“Não se deve desesperar da salvação das pessoas que se mataram. Deus pode, por caminhos que só Ele conhece, dar-lhes a ocasião de um arrependimento salutar. A Igreja ora pelas pessoas que atentaram contra a própria vida” (nº 2283).

Dom Valdir Mamede

Bispo auxiliar de Brasília