Brasil que chora

Prestes a assumir a liderança mundial no número de decaídos por causa da COVID-19, surge inevitavelmente a pergunta de se o vírus tem sido mais agressivo conosco ou se outros ingredientes se juntam a esta pandemia para nos castigar ainda mais?

Ao colocar essa questão se abre um leque de temas e reflexões que calam profundamente na alma de todos enquanto nação que sofre, e, desnorteada de qualquer horizonte, padece mais que os outros para encontrar um caminho.

Muitas estatísticas se distorcem de nossa situação real no mundo.

A partir de nossa posição econômica, muito embora a soma do produto bruto não sinalize diretamente para o quesito riqueza dos povos, poderíamos estar em uma situação intermediária entre as nações. Entretanto, ao tomarmos o quesito violência, por exemplo, saltamos imediatamente para os pontos mais distantes de nossa pobreza e de nossa riqueza. Igualmente se tomarmos o quesito corrupção, assumimos também um lugar de destaque nesta representação. O caminho é inverso quando tomamos os quesitos positivos, como educação e saúde; aí despencamos para patamares de países muito menos abastados que o nosso.

Esta incongruência também diz respeito às formas exemplares de vida e de admiração. Ao aproximar-se dos EUA, nos últimos anos, o Brasil balizou-se pelo que há de pior naquela nação, a sua indiferença para com o outro, o bairrismo estrutural, a divisão de classe e o capitalismo primitivo. Bem que poderia ser por outro viés. Há naquela nação, tanto quanto em outros povos, princípios que poderiam ser melhor aproveitados, numa lista bastante extensa. O horror pela corrupção, o apego ao trabalho duro e pelo serviço, o amor pela liberdade, o desejo de ser relevante e cooperador maior que o desejo de herança. Prova do momento inoportuno de aproximação com as ideias americanas é que os próprios americanos já mudaram de rumo.

Neste meio tempo, vítimas da sina da escolha errada, o Brasil embocou por caminhos estranhos que o afastaram da ciência e das práticas de organização e gestão.

Uma aposta às cegas em soluções milagrosas e de tateio político, coloca-nos, agora, como um perigo para nós mesmos e para a humanidade, enquanto disseminadores incontroláveis de dois inimigos, o coronavírus, que nos infecta, adoece e mata, destruindo vidas, famílias e sonhos; e o vírus da predestinação às escolhas equivocadas, que sempre rolou a pedra ladeira acima, quando o normal é rolá-la ladeira abaixo.

Esses dois fatores somados produzem um abismo reflexivo que puxa para si tudo que ainda há de bom e amável nos seus contornos, momento no qual os descrentes da democracia e da vida cavam ainda mais fundo para tentar impor visões conturbadas e distorcidas da realidade, mas que podem lhes permitir a continuação no poder, embora seja um poder para seu único e exclusivo benefício, que mais tarde também se estende, mas somente para os seus, e aí termina.

Assim sendo, assistimos com enorme perplexidade um Brasil que chora por suas dores, por seus trezentos mil mortos; que sofre principalmente ao se perguntar como seria se tivesse feito as coisas de maneira ordinária, com eficiência e diálogo?

 

Dom Lindomar Rocha Mota
Bispo Diocesano de São Luís de Montes Belos-GO