Na conclusão do ano litúrgico, que muito se aproxima do fim do ano civil, a palavra se espalha pelo mundo e se depara com as dificuldades próprias do tempo, que por ser o nosso tempo, é, para nós, o mais difícil de todos os tempos.
São pródigas as tentativas de definir a natureza dessa época. A possibilidade, ainda que esquálida, de dizer uma palavra inovadora e adiantar aquilo que está acontecendo é tentadora e legítima, até certo ponto. Foi desse modo que surgiram muitos candidatos para substituir a antiga modernidade. A primeira e mais ampla de todas chamamos de pós-modernidade, uma terminologia que muitos desavisados não-filósofos ainda usam. Depois surgiu uma família correlata a ela: pós-estruturalismo, verdade liquida, pós-verdade…
Entretanto, Aristóteles asseverou que a palavra e as descrições devem coincidir com os fatos, do contrário deve-se substituir a palavra. Ou como resumiu São Tomás, para tocarmos a verdade deve haver uma adequação mínima entre o que falamos e aquilo sobre o qual falamos.
Em Marcos 13,28, Jesus nos dá uma importante chave hermenêutica para lermos o nosso tempo ao dizer, “Aprendei, pois, da figueira esta parábola: quando seus ramos ficam verdes e as folhas começam a brotar, sabeis que o verão está perto”. É a nossa possibilidade de acessar o futuro, pois isso só é possível por meio de parábolas, uma comparação indireta, onde tudo o que dispomos é o agora.
A parábola permite um acesso indireto a narrativa, como a parábola geométrica, onde as distâncias dos pontos em um plano referente ao ponto fixo e a uma reta fixa são iguais. Os fatos de hoje, portanto, são as mais confiáveis setas que descortinam o futuro.
O tempo presente, o tempo que testemunhamos, nega a fragmentação da verdade e a sua liquidez. A verdade perdeu sua lentidão construtivista advinda da compreensão grega e se acelerou, unificando-se em enunciados rápidos e assertivos.
É possível falar de doutrina, por exemplo, sem ter a menor ideia do que ela seja. É possível desconsiderar a complexa e dificílima elaboração doutrinal da Igreja ao longo de quase dois mil anos, para reduzi-la à leitura seletiva do Catecismo, ou ao uso de uma indumentária, ou a repetição de um gesto. Uma verdade bruta que ocupa um lugar bastante privilegiado no discurso contemporâneo.
A verdade bruta é essa verdade não lapidada. Não é uma mentira! É tão-somente uma pequena parte da verdade toda, mas anunciada e jogada com tamanha força que aniquila às possibilidades de aperfeiçoamento no seu próprio porvir.
Antes de ser anunciada e alcançar tamanha relevância, a verdade embrutecida ocupou as mentes e os corações, pois se assim não fosse não teria a capacidade de convencimento.
Chegamos, agora, a dificílima questão de corrigir rumos, pois doutrina e liberdade, são exemplos terminológicos atuais que foram maximamente embrutecidos para não comportarem a contradição. É possível, portanto, falar e defender a liberdade total nas redes sociais e rejeitar o a liberdade de ir e vir das pessoas. É possível falar de doutrina cristã e defender a proliferação das armas e o ódio político. É possível, para muitos, viver um cristianismo sem Cristo com base nesta verdade embrutecida, e até se opor, com certa eficácia, ao cristianismo do Evangelho.
A verdade não está mais fluida, como se tentou antecipar, ela está enrijecida, jogada no mundo sem tempo de se aperfeiçoar e sem esperar nenhuma contribuição.
Cristo, contudo, Ele e somente Ele, é capaz de quebrar o trono de ferro onde a verdade do nosso tempo se assentou, mostrando para ela que caminhar pelos campos verdes no fim da tarde é mais desejável que dominar sobre uma montanha de escombros e ruínas.
Dom Lindomar Rocha Mota
Bispo de São Luís de Montes Belos