A Palavra de Deus com sabor ou a Lectio Divina

É comum ouvir os cristãos afirmarem que a Bíblia é a Palavra de Deus. Mas esta Palavra ainda é muito desconhecida pelos cristãos. São poucos os que têm o hábito de ler e meditar o texto sagrado.

A Igreja recomenda-nos a leitura, o estudo e a meditação da Palavra de Deus, especialmente no tempo quaresmal. São necessários a leitura e o estudo da Sagrada Escritura. Esta leitura deve ser acompanhada pela oração para que haja um diálogo profundo entre Deus e nós. A Palavra de Deus dá sustento e vigor para a Igreja, firmeza na fé, para seus filhos e filhas, além de ser a fonte da vida espiritual (cf. DV 21).

“A contemplação do rosto de Cristo não pode se inspirar senão naquilo que se diz dele na Sagrada Escritura…”. Para dar peso à sua afirmação São João Paulo II cita a frase de São Jerônimo: “A ignorância das Escrituras é ignorância do próprio Cristo” (cf. NMI 17). Dando continuidade ao seu pensamento, o pontífice convida-nos a uma “renovada escuta da palavra de Deus” a partir da “lectio divina” (cf. NMI 39).

Após essas motivações, quero sugerir uma proposta dinâmica de se fazer a Lectio Divina (ler, meditar, orar, contemplar e celebrar a Palavra de Deus, saboreando-a). Trata-se de ler um determinado texto bíblico como jornalista, paisagista e artista.

Ler como jornalista: sabemos que o jornalista se preocupa com a notícia. Ele quer saber o que aconteceu e como se desenrolou o fato em si. Nesta perspectiva, recomendo ler o texto bíblico, uma primeira vez, como jornalista, isto é, preocupando-se apenas em saber qual é a história, fato ou ideia que o texto narra. Nesta primeira leitura devemos perguntar: o que o texto fala? Qual é a história que ele apresenta? Que fato ou acontecimento ele descreve?

Ler como paisagista: o paisagista preocupa-se com a estética, com a beleza e o colorido das coisas e pessoas. Ele explora muito a criatividade e a imaginação. Referindo-me à leitura do texto sagrado, recomendo fazê-la uma segunda vez, de forma mais atenta. Na primeira vez a nossa preocupação era saber o que aconteceu, o que o texto apresentava. Agora se trata de explorar a criatividade e a capacidade imaginativa. É preciso ler com calma, imaginando e criando o colorido do cenário e das pessoas envolvidas na narrativa bíblica. Imaginar o local, as pessoas, o som, a distância, o movimento de cada cena etc.

Ler como artista: a preocupação do artista é viver a cena como se o episódio estivesse acontecendo naquele exato momento. Sabemos que quanto mais o artista se esforça para encarnar a peça, melhor ele a vivencia e apresenta-a. No que se refere à leitura bíblica, recomendo que seja feita uma terceira vez. O mesmo texto lido como jornalista e como paisagista, deve ser lido, agora, como artista. Ler como artista significa envolver-se na narrativa bíblica, sentir-se um dos personagens, entrar e encarnar a cena de modo a atualizá-la. Meditar e rezar sobre o texto, saboreando-o na experiência da contemplação para depois celebrá-lo com a vida.

Essa metodologia de leitura tem me ajudado muito na concentração e na meditação dos textos sagrados. Favorece uma compreensão mais profunda, ajuda a saborear melhor e a vivenciar com mais gosto a mensagem bíblica. Vale a pena experimentar.
Depois de saber o que narra o texto (ler como jornalista) e imaginar as cenas e seu colorido (ler como paisagista), procure vivenciar e envolver-se em cada cena (ler como artista). Finalmente, louve e agradeça à Trindade Santa pela experiência feita e assuma o compromisso que esta experiência suscitou na sua vida.

Textos a serem utilizados para saborear a Palavra de Deus:

– Mt 4,18-22
– Mc 1,16-20 – Jesus chama a segui-lo
– Lc 5,1-11

– Mt 3,13-17
– Mc 1,9-11 – Jesus é batizado
– Lc 3,21-22
– Mt 4,1-11
– Mc 1,12-13 – Jesus supera as provações
– Lc 4,1-21 – Jesus anuncia o seu projeto de missão

– Jo 9,39; 10,21 – Jesus apresenta-se como modelo de Pastor
– Lc 15,1-32 – Jesus ensina a misericórdia.

Dom Washington Cruz, CP
Arcebispo Metropolitano de Goiânia