A Palavra como bússola cotidiana

“A quem iremos nós, só tu tens palavras de vida eterna” (João 6, 68) É o anseio perene da Igreja de todos os tempos que encontra na Palavra do seu Deus a razão para viver e caminhar. Esse desejo se torna ainda mais intenso no mês de setembro, consagrado no Brasil à Bíblia. O livro sagrado não é somente para alimentar o conhecimento intelectual, mas sobretudo para aquecer o coração, como aconteceu com os discípulos de Emaús ( Lc 24).


Cada ano nos é apresentado, para estudo e aprofundamento, um livro da Sagrada Escritura. Neste ano a proposta é sobre o livro do Profeta Ezequiel, cujo nome significa “Deus é forte” ou “Deus fortifica”. O profeta é sempre um místico que vive mergulhado no seu tempo e por isso capaz de ser elo de ligação entre Deus que fala e o povo que escuta, provocando mudanças radicais na vida pessoal e na caminhada do povo da Aliança.


O Profeta de sempre é aquele que combate os erros e as ilusões para dispor o coração à mudança e à salvação. Ele vai contra a correnteza e, por causa disso enfrenta hostilidades e desprezo. Coitados de nós quando reduzimos a profecia a aspectos românticos!


De que jeito Ezequiel trabalhou no seu tempo, se opondo às falsas idéias da maioria? Lembrar isso significa para nós olhos abertos no hoje para ter a coragem de Deus do nosso lado.

  1. A convicção da maioria era que Deus estava somente em Jerusalém e na Palestina. Deus, pelo contrário, estava presente também na Babilônia, no meu dos exilados. Sua onipotência e majestade estão com todos porque Deus não abandona ninguém, sobretudo nos momentos conturbados e desafiadores. Deus dá sinais de presença sempre. É preciso abrir os olhos. No entanto pode acontecer em nossa vida e em nossa história o que aconteceu com Jacó: “Deus estava presente neste lugar e eu não sabia” (Gênesis.)
  2. Cada esperança de conquista e de derrota de Babilônia, é vã. Deus mesmo deu a Nabucodonosor toda a Palestina. Jerusalém e o Templo serão destruídos. É a justiça divina que exige isso. Isso abre também muitos leques de reflexão para nunca se transformar em protagonistas da história da salvação, mas ter a consciência clara que quem dirige a história é somente Deus.
  3. É verdade, Deus escolheu o povo de Israel para que lhe pertencesse, mas isso vem única e exclusivamente de sua misericórdia (Ez, 16, 1-14_ e isso obriga ao dever de observar os mandamentos e os preceitos do Senhor, fugindo de qualquer idolatria. Deus na sua dignidade de Esposo ofendido e traído, por sua própria santidade, deve punir a infidelidade de Israel e o castigo é iminente. A fidelidade à Aliança é uma tônica constante. O Amor somente exige ser amado.
  4. O castigo divino não é fim em si mesmo, mas visa a volta de Israel à Aliança. Os exilados irão voltar à pátria.
    A visão da nova centralidade de Deus (teocracia); o novo templo; o novo culto; o novo assentamento da terra prometida faz parte integral da visão do profeta.
    O livro de Ezequiel não é fácil. Precisa de um subsídio que o explique e o faça entender. Daí a necessidade de adquirir os subsídios preparados pela CNBB ou outras entidades e fazer o estudo e a lectio divina em comunidade.

Redescobrir a Bíblia é dar vigor à ação pastoral; é alimentar as razões da nossa esperança; é encontrar o rumo certo do caminho, porque a “Palavra é lâmpada para os nossos pés; é ter argumentos válidos para corrigir todo e qualquer desvio doutrinal,ético moral etc.; é condição para evangelizar melhor
Mas nunca esquecer que “a Palavra se fez carne” e é Jesus de Nazaré. Isso evita o culto idolátrico do livro, porque a Palavra de Deus é Pessoa

Dom Carmelo Scampa
Bispo emérito de São Luís de Montes Belos