A misericórdia na Quaresma

 

A Quaresma é apresentada na liturgia como um tempo favorável que proporciona a escuta da Palavra; a conversão interior que gera necessariamente a mudança exterior; a ação caritativa como sinal de uma nova visão de vida, pautada sobre o Evangelho. É, portanto, uma oportunidade para não perder de vista nossa situação de “alienação existencial” como afirma Papa Francisco em sua mensagem para a Quaresma.

No Ano da Misericórdia é ainda mais urgente acelerar o passo e traduzir a escuta da Palavra em ação concreta de abertura ao outro, de sensibilidade diante do sofrimento alheio, de capacidade evangélica de discernir o que o “Espirito diz às Igrejas, para ser, como Igreja e discípulos de Jesus, o rosto misericordioso do Pai”.

Porque não retomar as sete obras de misericórdia corporais e as sete obras de misericórdia espirituais, refletir sobre elas e ver na própria comunidade o que é mais urgente fazer? Nem sempre a caridade precisa ser organizada: é um impulso do coração que é realizada somente por aqueles que amam e que tem Deus no coração. O amor não se manda, se cumpre.

É útil abrir os olhos e perceber quantos são os irmãos e irmãs desnorteados, enganados, alienados, sem rumo e direção. Como praticar a misericórdia e como agir como discípulos de Cristo? Muitos anos atrás o beato Paulo VI dizia que evangelizar é a grande caridade que devemos prestar ao mundo de hoje. Iluminar a vida e a consciência das pessoas com a luz do evangelho é proporcionar ao ser humano o que mais precisa. Não é possível num tempo favorável como é a Quaresma se satisfazer com um jeito de evangelizar superficial, quase fosse um verniz que se aplica sobre uma parede e nada mais. É preciso vigor e coragem para que a evangelização que motiva a vida de fato transforme as pessoas no mais profundo do coração.

Cada um tem oportunidades todos os dias para concretizar isso. E não será somente com pregações e catequeses, palestras e encontros formativos que iremos fazê-lo, mas, sobretudo, assumindo a lógica do testemunho.

Também é necessário abrir os olhos diante dos sofrimentos concretos, físicos e morais, de tantas categorias de pessoas aos quais precisamos estender a mão. Por exemplo, em nossas dioceses há muitas pessoas encarceradas, sobretudo jovens, que vivem em situações desumanas, amontoados em celas como fossem animais. Será que todos têm sensibilidade suficiente diante desses nossos irmãos? Será que estamos disponíveis em exigir das autoridades mais respeito pela dignidade humana?

Em todas as nossas comunidades, também as menores e do interior, há o flagelo da droga que destrói vidas, famílias. Onde nós estamos? O que nós estamos fazendo para prevenir, acompanhar e ajudar? Também, há em várias de nossas dioceses inúmeros assentados e acampados em situações precárias, aguardando um futuro mais seguro e melhor. Somos sensíveis a esse problema?

Não é necessário se delongar em exemplificações, porque conhecemos a realidade. É preciso arregaçar as mangas e dizer: discípulo de Jesus, acorda, desce do cavalo, assuma os feridos, leva-os na hospedaria, paga o seu preço e seja solidário. Como Deus que usa de misericórdia, você mesmo seja misericordioso, solidário, atento às situações precárias e saiba agir sem tocar trombeta. Desce do trono e entenda que a fé se não se traduz em obras é morta em si mesma.

Escuta o que o Senhor te diz através de sua Palavra e através também dos acontecimentos e saiba agir. No Ano da Misericórdia é necessário acelerar os passos e acatar com mais vigor a proposta do Papa Francisco que não visa somente abrir portas santas, com cerimônias bonitas, mas a conversão interior, a prática da misericórdia através de gestos simples, mas solidários.

 

Dom Carmelo Scampa

Bispo de São Luís de Montes Belos