Mateus começou explicando a genealogia de Jesus, que o ligava à multidão que perpassava a história da salvação, mas ainda era pouco. Era preciso aprofundar a compreensão, pois Ele não cabia na história da terra.
João tem uma revelação feliz, e ao exclamar em poucos versículos, dizendo: “No princípio era o Verbo e o Verbo estava em Deus. No princípio, ele estava com Deus. Tudo foi feito por meio dele e sem ele nada foi feito” (Jo 1,1-3), ele empurra essa história ao infinito.
Empurrados para o infinito a razão e a emoção humanas tentam voltar para onde conhece. Tenta novamente estabelecer limites e traçar uma linha que se proíbe de passar.
É verdade que o infinito é abissal. A maioria dos joelhos tremem só de chegar perto do precipício, e o infinito de onde o Verbo de Deus vem e fala é ainda mais abissal. É descomunal e nem temos uma palavra adequada para exprimi-lo. De qualquer modo, a opção real é ser mais, e não menos, na tentativa dessa compreensão.
Paulo lutou sua vida toda para não deixar regredir à finitude da lei aquilo que o amor havia alargado.
Ao dar várias respostas sobre o que era o amor e nenhuma resposta sobre a verdade, Jesus a condiciona ao próprio amor, pois a verdade que não diz respeito ao amparo e ao cuidado do outro é verdade maldita. A verdade, portanto, não é necessariamente boa, pois sua proclamação não torna um ato iniquo bom nem justificado. Assim como a lei não basta, a verdade muitas vezes não basta, principalmente se mantemos a ultrapassada versão filosófica de verdade construída e menos a de verdade como descoberta.
Verdade construída é aquele forjada nos limites da razão que se materializa como uma afirmação exata, enquanto a verdade como descoberta não decide de antemão, mas deixa vir à tona aquilo que é em sua essência, mas que pode ainda estar velado.
Ao aproximar-se dessa verdade, Jesus ver em Mateus um Mateus escondido. A verdade construída é que ele era um pecador odioso; a verdade construída sobre Saulo é que ele era um assassino, mas em ambos os casos Jesus viu neles o que eles poderiam ser.
Essa verdade, portanto, é um ato de coragem de deixar ser aquilo que em realidade é. Sem decidir sobre sua bondade. É por isso também que João dirá mais tarde: “a verdade vos fará livres”. Mas como pode a verdade nos libertar? Eis uma questão urgente.
O desprendimento diante daquilo que em verdade é, liberta da tentação de decidir a respeito de tudo e a respeito de tudo impor o peso do condicionamento. Deixar vir à luz a face oculta do mundo é uma espera paciente de observadores que testemunham o desvelar de Deus na história, sem se escandalizar.
A paciência de Gamaliel em At 5,34ss, ao aconselhar os demais fariseus a não aprisionarem Deus a sua verdade é exemplar, pois como disse mais tarde, se for de Deus permanecerá, se não for passará.
Gamaliel confecciona a fórmula para se livrar da verdade enferma, que ao ser decidida antes, não deixa sobressair a própria verdade. Essa é a contradição entre a verdade de Pilatos e a de Jesus.
A verdade de Jesus liberta porque vai além de tudo que estava posto e abre um mundo novo. A verdade de Pilatos limitava-se àquela construída pelo império, a dos fariseus às verdades forjadas em sua tradição duvidosa, portanto insuficientes.
A verdade, em Jesus, completa-se com muitas outras coisas, e nem é a mais importante quando comparada ao amor. De fato, Paulo disse que mais importante são o amor, a fé e a esperança. Pois, no fim de tudo Jesus mesmo é a verdade. Então já não falamos mais de verdade como um conceito, mas como uma pessoa que se revelou desde a eternidade. É por isso que precisamos ir ainda mais longe!
Dom Lindomar Rocha Mota
Bispo de São Luís de Montes Belos (GO)