Ao fim de sua vida João estava atormentado por uma questão: era Jesus o Messias ou ainda viria outro?
Em seu coração honesto, que não suportava dúvidas, mandou perguntar ao Mestre se era Ele mesmo (Mt 11,3).
Jesus respondeu e nunca escondeu que era o Messias da profecia. Há um novo profeta no mundo. Sua missão foi antecipada em Isaias 61,1, quando disse: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque o Senhor me ungiu. Enviou-me para levar a boa nova aos pobres!”
Ao testemunhar esses acontecimentos, João quis saber se o Messias finalmente havia chegado; quis saber qual é a proclamação feliz que os pobres esperavam?
A pobreza, como sabemos, esteve presente ao longo da história. Jesus mesmo chegou a dizer que pobres sempre teríamos entre nós! A questão, portanto, é saber que tipo de Boa Nova será anunciada a eles?
A reposta vem ao fim de uma explanação em que se acolhe os muitos últimos de nosso mundo. Os cegos veem de novo, os paralíticos andam, os surdos ouvem. Até aqueles que sofriam a dupla exclusão da lepra são curados. E, ainda mais, milagres extraordinários que fazem os próprios mortos ressuscitarem estão ocorrendo (Mt 11,5).
A esses eventos extraordinários, entretanto, ocorre algo de mais sublime ainda: “os pobres são evangelizados”.
Jesus pede que não nos escandalizemos com esta novidade do Reino. Numa sociedade onde o leproso, o cego, o paralítico e os doentes de todo tipo eram vistos como pecadores, Jesus lhes restitui a saúde e escancara que os infortúnios da existência não são castigos de Deus, mas percalços de uma vida que cobra mais de uns que de outros.
O percalço do infortúnio superamos logo. Ele diz respeito a todos nós e a nossa precariedade enquanto pecadores. A do pobre, porém, continua nos confins das consciências que precisam irromper as camadas do escondimento e do desprezo. Conservada nos recônditos da humanidade e do significado do que é ser humano, a questão dos pobres guarda segredos sobre nós mesmos, talvez porque não possa ser creditada ao mero acaso e aos infortúnios. É uma questão que nos interroga sobre a Boa Nova que devemos anunciar.
Fruição de movimentos contrários, a pobreza não é ocasionalidade de infortúnios, assim como não o é a violência ou as discriminações sociais e raciais. É ação deliberada de quem procura empurrar para lá, pessoas, nações e continentes, num movimento de poucos ganhos e muitas perdas.
Aquele, portanto, que se encontra nesta situação, que só tem a Deus para recorrer, encontra nEle o seu apreço maior.
A sua causa torna-se a causa de todo discípulo do Senhor. Condoer-se de consciência e coração pelos últimos é profecia que salva.
É com desconcertante simplicidade que o Senhor recomenda que preguemos aos pobres, que são eles mesmos os primeiros destinatários do Reino; e, que ninguém fique escandalizado com isso, sob pena de se escandalizar com o Evangelho (Mt 11,6).
Portanto, é significativo, agora, meditarmos a respeito da profecia. Ela não pode ser apenas de denúncias, pois a denuncia estendida ao seu limite acaba por se esvair. O estender-se ao ilimitado transforma em fumaça a madeira sólida, assim como se liquefaz a profecia demasiadamente estendida.
Uma reflexão sobre o mundo atual exige uma compreensão aprofundado do momento que vivemos, e uma proposta exequível para transformá-lo.
Novamente, sentimos que o pobre tem sido deixado à sua própria sorte. Como nos tempos do Senhor, quando era trocado por muito pouco, hoje também, ele não parece contar num sistema que tenta subsistir à própria morte através do sacrifício dos outros.
Sistemas obscuros e obscurantistas não conseguem avançar para o futuro, e buscam em arremedos do passado uma solução. Já não são poucos os que defendem a escravidão, o menosprezo das mulheres e o sacrifício dos pobres como sobrevida para o sistema que parou de funcionar. Neste momento, hora difícil da humanidade, a palavra do Senhor deve ressoar novamente. Ela é profecia que defende os últimos, abraça os deixados à sua própria sorte, e toma sua causa como norte para aprumar os objetivos e sarar o mundo ferido.
Ao limite, o profeta sabe que não curará todas as feridas do mundo. É de Deus a conclusão da história, mas enquanto isso, acolhendo a causa dos últimos e desfavorecidos de todo tipo como sua, a Igreja ganha tempo, até ver realizada a profecia final. Os pobres aparecem, assim, como chave profética para destravar as portas do Reino.
Dom Lindomar Rocha Mota
Bispo de São Luís de Montes Belos (GO)