Narra o autor sagrado que, ao ver Jerusalém, num dia daqueles, após longo percurso desde Nazaré, Jesus chora sobre a cidade. Certamente por seu coração de Filho do Deus Altíssimo, sabedor de tudo o que estava prestes a lhe acontecer e conhecedor profundo das mentes e dos mistérios humanos, Nosso Senhor Jesus Cristo chora por toda a humanidade desfigurada pelo pecado, decaída pelo peso do distanciamento de Deus.
Entrando em Jerusalém, colocado, por seu próprio querer, sob o lombo de um animal, a multidão acorre. Certamente, dentre todos, muitos dos que haviam sido por Ele curados ou que souberam de seus prodígios e Palavras ou que talvez até mesmo com Ele percorreram distâncias até chegar àquele importante centro cultural, religioso e político do judaísmo. Aquela multidão hoje proclama: “Glória a vós, Filho de Davi. Bendito o que vem em nome do Senhor”. Não tardarão alguns poucos dias para que essa mesma multidão proclamasse na praça, ante as autoridades romanas, ante os olhos de Jesus, capturado e humilhado: Tolle, tolle. Crucifige eum. “Crucifica-o, crucifica-o”.
A grande teologia do Domingo de Ramos, dessa intitulada “entrada triunfal de Jesus em Jerusalém”, milhares de vezes encenada e celebrada em tantas paróquias, em nossa Arquidiocese e ao redor do mundo, traz um ensinamento profundo e grave, o qual sintetizo com um trecho da pregação de Santo Afonso Maria de Ligório: “Ah, meu Senhor, chorastes então sobre Jerusalém , mas chorastes também sobre a minha ingratidão e perdição; chorastes ao ver a ruína que eu a mim mesmo causava, expulsando-Vos de minha alma e obrigando-Vos a condenar-me ao inferno. Peço-Vos, deixai que eu chore, pois que a mim compete chorar ao lembrar-me da injúria que Vos fiz ofendendo-Vos. Pai Eterno, pelas lágrimas que vosso Filho então derramou por mim, dai-me a dor de meus pecados, já que os detesto mais que qualquer outro mal e resolvido estou a amar-Vos para o futuro, de todo o coração”.
O apóstolo João narra essa “hora de Jesus” no diálogo que o Mestre teve com Felipe e André: “Chegou a hora em que o Filho do Homem vai ser glorificado. Em verdade, em verdade, vos digo: se o grão de trigo que cai na terra não morre, fica só. Mas, se morre, produz muito fruto” (Jo 12,23). Cada passo de Jesus, cada olhar dele para a multidão, cada gesto naquela profética entrada em Jerusalém estará carregado desse sentido transformador e redentor da semente que é lançada ao chão e que é preciso que morra para que produza muitos frutos.
Da morte redentora de Cristo nasce o mistério da Igreja, igualmente participante dos passos de sofrimento de Jesus em meio às multidões de ontem e de hoje. No choro de Jesus, também o choro da Igreja, por ver este mundo perdido de seus valores mais fundamentais e tão ávido por espetáculos pobres. Na consciência de Jesus, a consciência de toda a Igreja de estar marchando, com Ele, também hoje e até o final dos tempos, para os calvários, para o lugar do sofrimento, conscientes, Esposo e Esposa, da necessidade de sua entrega oblativa para a redenção do mundo.
Aqui realiza-se também, de modo admirável, o sacerdócio de Jesus. Desde já, Ele, como que se faz presente na “Preparação das Oferendas”, antecipadamente. Ele próprio está sendo trazido ao Altar da Cruz, nessa procissão festiva e antecipatória da Sua Paixão, Morte e Ressurreição, da qual a Igreja toma parte nas celebrações que logo virão na noite de Quinta-feira Santa e, sobremodo, na tarde da Sexta-feira da Paixão.
Possam nossas comunidades paroquiais, nesse dia festivo, participar de modo consciente e ativo desse salutar mistério do sofrimento de Cristo e de toda a Igreja para a salvação do mundo. Vinde, adoremos.
Dom Washington Cruz, CP
Arcebispo Metropolitano de Goiânia