55ª AG da CNBB: Dom Guilherme Werlang presidente missa no Dia do Trabalho

Neste dia do Trabalho, 1º de maio, o bispo de Ipameri (GO) e presidente da Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, Justiça e Paz, Dom Guilherme Werlang, presidiu a missa na 55ª Assembleia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que acontece em Aparecida (SP), e segue até o próximo dia 5.

Em sua homilia, o bispo criticou o Projeto de Lei que se propõe alterar os direitos trabalhistas, por meio da Reforma Trabalhista. “Não há dúvidas de que este projeto, tal como está sendo apresentado, significa a maior retirada de direitos trabalhistas já discutidos no Congresso Nacional”, disse. Ele também explicou que o trabalhador está acima do trabalho e não o contrário. “Sempre o trabalho para o trabalhador, o trabalho a serviço do homem, de cada homem, de todo homem”, citando o papa Paulo VI. Dom Guilherme também lamenta que o Brasil hoje esteja com 14 milhões de jovens desempregados, “muitas vezes por uma concepção puramente mercantilista da sociedade, que busca o lucro egoísta, fora dos parâmetros de justiça social”.

Leia na íntegra

 

HOMILIA PARA O DIA 1º DE MAIO MISSA COM OS BISPOS NO SANTUÁRIO NACIONAL DURANTE A ASSEMBLÉIA GERAL DA CNBB
(At 6,8-15; Jo 6,22-29)

Irmãos e irmãs, estamos vivendo as alegrias do tempo Pascal e hoje nos encontramos com o Cristo ressuscitado, na fração do Pão Eucarístico, o alimento que permanece até a vida eterna, de que nos fala o Evangelho. Trazemos ao altar do Senhor o Dia do Trabalho, com São José Operário; o sexto dia da Assembleia da CNBB e o início do mês de Maria.

A festa de hoje foi instituída pelo papa Pio XII, em 1955, declarando São José padroeiro dos trabalhadores, para dar um sentido cristão à festa do Dia do Trabalho. Diante de 200 mil operários reunidos na Praça de São Pedro, em Roma, disse o papa: “Neste 1º de maio, que o mundo do trabalho assumiu como festa própria, queremos reafirmar, em forma solene, a dignidade do trabalho a fim de que inspire, na vida social, as leis da equitativa repartição de direitos e deveres”.

Por isso, celebrar memória de São José Operário é fonte de inspiração para a Igreja e para a sociedade quando consideramos o trabalho como um direito a ser garantido a todos para que possam viver com dignidade.

O evangelho de hoje nos fala da multidão que está à procura de Jesus e o encontra em Cafarnaum. Jesus, o enviado do Pai, é o pão do céu, o pão da vida eterna e isso Ele deixa muito claro em seus ensinamentos. Tendo sido procurado por interesses particulares, Jesus exorta o povo a buscar o alimento imperecível, que dura para a vida eterna. Mesmo assim, Jesus se preocupa também com o “pão nosso de cada dia”, especialmente dos mais pobres que o procuram porque não recebem das autoridades deste mundo a garantia do pão material. Seus ouvintes corriam o risco de querer um Messias que magicamente resolvesse seus problemas cotidianos, e então diz aos discípulos: “Dai-lhes vós mesmos de comer”, indicando que a missão de sua futura Igreja seria cuidar da pessoa tanto em sua dimensão corporal quanto espiritual. Para quem apresenta Jesus como “o pão descido do céu” tem que assumir as atitudes Dele e então tem que também tornar-se “pão nosso de cada dia” e depois “o pão do céu que nos leva para a vida eterna”.

Não dá para apresentar um Jesus que alimenta para a vida eterna, enquanto não se mata primeiro as necessidades básicas dos filhos e filhas amados do Pai. Alimentar-se de Jesus significa acolhê-lo como o Senhor de nossa própria existência. E isto resultará numa espécie de identificação da vida do discípulo com a do Mestre. O parâmetro da ação do discípulo será o amor e a solidariedade. Portanto, a obra de Jesus agora é nossa, é da Igreja.

Os Evangelhos nos apresentam São José como “homem justo”. O humilde artesão de Nazaré aponta para o Cristo Salvador, filho de Deus. O próprio Jesus quis ser um trabalhador manual, passando grande parte de sua vida na oficina de José, reconhecido como seu pai e é chamado “filho do carpinteiro” (Mt 13,55). Jesus aprende a trabalhar com José e, depois em sua pregação, ensina a apreciar e valorizar o trabalho.

O trabalho dá ao ser humano o poder de participar da obra criadora de Deus e recebe a missão de aprimorá-la, desde que essa atividade possua de fato um autêntico valor humano. A consciência desse valor leva o trabalhador e trabalhadora à justa reivindicação do respeito à sua dignidade e aos seus direitos. Por isso, a Igreja proclama o real valor do trabalho e se coloca ao lado dos que lutam por justiça e liberdade.

Está em andamento o Projeto de Lei que se propõe alterar os direitos trabalhistas, a chamada Reforma Trabalhista. Não há dúvidas de que este projeto, tal como está sendo apresentado, significa a maior retirada de direitos trabalhistas já discutidos no Congresso Nacional. São criadas e até ampliadas novas formas de contratos de trabalho precário, que diminuem, em muito, direitos e remuneração, permitindo, inclusive, pagamento abaixo do salário mínimo mensal, o que certamente aumenta os já elevados níveis de desemprego e de rotatividade no mercado de trabalho. Tal projeto visa defender a manutenção dos interesses apenas de um lado: da lógica do capital e do mercado. E, do outro lado, fica a precarização e o desmonte do direito do trabalho.

Diante disso, como garantir o direito sagrado ao trabalho? Sem trabalho não há vida!

O papa Paulo VI e mais tarde João Paulo II ao falarem da relação “trabalho e capital” afirmam: No trabalho o ser humano vem primeiro. … Nunca pode o trabalho estar acima do trabalhador: sempre o trabalho para o trabalhador, o trabalho a serviço do homem, de cada homem, de todo homem (cf. Paulo VI). Ou seja, trabalhar é muito mais que produzir bens materiais, dinheiro, capital e riquezas. O trabalho faz que experimentemos uma sensação agradável de nos sentirmos colaboradores de Deus no aperfeiçoamento de sua obra criadora, como também semelhantes ao próprio Criador. Ele deve levar a pessoa a viver dignamente, colaborando para construir “um mundo melhor, no qual todos possam viver felizes” (LE27).

Quando se vive para trabalhar, e não o contrário gera-se escravidão. Escravo do trabalho a ponto de já não ter tempo para a família, o lazer, o ócio, o lúdico. Neste caso, produz-se riqueza para os outros, mas da qual os próprios trabalhadores e trabalhadoras não podem usufruir nem se beneficiar. O sentido do trabalho é poder usufruir de seus frutos, bem como ter uma justa remuneração. É como nos diz o cantor Zé Geraldo na canção “Cidadão”: “Está vendo aquele edifício moço? Ajudei a levantar”. Ou, então, o profeta Isaías 65,21: “Edificarão casas, e as habitarão; plantarão vinhas e comerão o seu fruto”.

O papa Francisco tem afirmado que o trabalho é uma vocação, é sagrado, dá dignidade para a pessoa e para a família: “O trabalho é fundamental para a dignidade de uma pessoa. O trabalho, para usar uma imagem concreta, nos “unge” de dignidade, nos plenifica de dignidade, nos torna semelhantes a Deus, que trabalhou e trabalha, age sempre (cf. Jo 5:17), dá a capacidade de nos manter, manter nossa família, contribuir para o crescimento da nação.
E aqui penso nas dificuldades que, no Brasil se encontra hoje o mundo do trabalho e da empresa, eu penso nos jovens e desempregados, que hoje no Brasil passam de 14 milhões, muitas vezes por uma concepção puramente mercantilista da sociedade, que busca o lucro egoísta, fora dos parâmetros de justiça social.

Com o papa Francisco também denunciamos o sistema econômico que não permite que se ganhe o pão e priva da dignidade do trabalho: “O desemprego da juventude, a informalidade e a falta de direitos trabalhistas podem ser evitados. São o resultado de uma prévia opção social, de um sistema econômico que põe os benefícios acima das pessoas, da humanidade, são efeitos de uma cultura do descarte que considera o ser humano como um bem de consumo, que se pode usar e depois jogar fora” (I Encontro Mundial dos Movimentos Populares em Diálogo com papa Francisco, 2014)

Hoje, também não podemos deixar de falar sobre outra situação de trabalho que incomoda a Igreja, incomoda o conjunto das Pastorais Sociais: refiro-me ao “trabalho escravo”. Quantas pessoas em nosso querido Brasil são vítimas deste tipo de escravidão: tráfico para exploração no trabalho, para exploração sexual, para extração de órgãos, para atividade ilícita. O tráfico humano é um crime que afronta contra a dignidade e os direitos da pessoa humana. Portanto, devemos nos empenhar de forma decisiva e profética no enfrentamento ao tráfico humano, contexto no qual se constitui o “trabalho escravo”.

Caros irmãos e irmãs, a escolha de São José como padroeiro dos trabalhadores e trabalhadoras mostra que a Igreja está do lado dos mais fracos e injustiçados. Junto com a celebração de São José Operário, celebramos a vida dos milhões de trabalhadores e trabalhadoras de todo o mundo e levantamos a voz para defendê-los nas horas de tantas necessidades e injustiças. Numa sociedade materialista, que divide as pessoas pelo tipo de trabalho e que valoriza o ser humano pelo que ele ganha, a Igreja quer lembrar, no dia de São José Operário, 1º de maio, o valor humano e cristão do trabalho e do trabalhador.

Aqui do Santuário de Nossa Mãe Aparecida, a mãe dos pobres, com toda a confiança, imploramos por sua intercessão em favor do Brasil e de modo especial pelos nossos trabalhadores e trabalhadores que labutam no dia-a-dia para conseguir o sustento digno da família.

+ Guilherme Antonio Werlang.

Fotos: CNBB Nacional